Ambiente, história, património, opinião, contos, pesca e humor

14
Mar 24

Estando prestes a passar 50 anos sobre a morte do Almirante Ramos Pereira, entendeu a Câmara Municipal de Caminha e a Junta de Freguesia de Vila Praia de Âncora, prestar homenagem a este brioso militar, lutador antifascista e filantropo. Em hora boa issso acontece, pois nunca é demais recordar e exaltar a memória dos Grandes Ancorenses. 

 

O Almirante Ramos Pereira foi um dos filhos mais ilustres do Concelho de Caminha. Nascido em Vila Praia de Âncora, casou a 11 de maio de 1939 com Maria da Graça Lopes de Mendonça, neta do poeta Henrique Lopes de Mendonça, autor do Hino Nacional. Não tiveram descendentes.

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A identificação da família Ramos Pereira com Vila Praia de Âncora é bem patente na toponímia, chegando a criar alguma confusão devido à atribuição do seu nome a várias artérias desta vila (Rua Contra Almirante Ramos Pereira, Avenida Dr. Ramos Pereira e Parque Dr. Ramos Pereira).

Filho do médico Luís Inocêncio Ramos Pereira, nasceu em Vila Praia de Âncora, concelho de Caminha, a 6 de abril de 1901. O seu avô paterno era o Comendador José Bento Ramos Pereira, a quem se deve a construção da primeira escola de Riba d’ Âncora.

Frequentou o Colégio Militar e após dois anos de serviço no Exército, ingressou na Escola Naval, onde concluiu o curso de Marinha como primeiro classificado.

Promovido a Guarda-Marinha em fevereiro de 1924, efetuou vários embarques como oficial subalterno, dos quais se destaca uma comissão no Extremo Oriente, entre 1930 e 1932, a bordo do cruzador "Adamastor". Nessa comissão começou a revelar um grande interesse pelas radiocomunicações, tendo sido louvado pela sua ação técnica na direção da instalação elétrica e dos equipamentos rádio do navio.

Foi colocado na Direção do Serviço de Eletricidade e Comunicações em outubro de 1932. Ali viria a permanecer cerca de 21 anos, apenas interrompidos por duas comissões de embarque como Imediato dos contratorpedeiros "Lima" e "Douro", entre 1935 e 1936. Durante esse longo período, desenvolveu um significativo trabalho na progressão das comunicações rádio, dirigindo a construção e experimentação de novos equipamentos (atividade em que se valeu da sua experiência de radioamador) e organizando cursos para oficiais, sargentos artífices e praças. Entre as várias publicações técnicas que elaborou, destaca-se um compêndio de radioeletricidade editado em 1952, que serviu de base de apoio a vários cursos. Foi também responsável pela reorganização e modernização, em equipamento e instalações, da rede de estações radionavais da Marinha.

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Passando, sucessivamente, pelos cargos de Secretário, Subdiretor e Diretor, deixaria a Direção do Serviço de Eletricidade e Comunicações em fevereiro de 1954, já como Capitão-de-Fragata, para exercer o comando do aviso de 2ª classe "João de Lisboa", enviado em missão de soberania à Índia portuguesa, por ocasião das graves perturbações ali ocorridas naquele ano.

Regressado à Metrópole em 1956, ano em que foi promovido a Capitão-de-Mar-e-Guerra, passou pelo Estado-Maior Naval, antes de ser enviado a frequentar o Naval Command Course no United States Naval College.

Em junho de 1958, foi nomeado Subdiretor do Instituto Superior Naval de Guerra, ascendendo a Diretor, já no posto de Comodoro, no início de 1960. Empreende, então, profundas alterações na organização daquele Instituto, tendo sido responsável pela sua mudança para as instalações definitivas, na Rua da Junqueira. Promovido a Contra-Almirante em julho de 1960, viria a pedir a sua demissão na sequência de um discurso do Ministro da Marinha, aquando da abertura solene do ano letivo 1961-62, que considerou atentatório do seu brio profissional.

Passa à Reserva em abril de 1966, tendo, ainda, exercido as funções de Diretor do Museu da Marinha, entre 1968 e 1971. Em outubro de 1969 candidata-se a deputado pelo círculo eleitoral de Viana do Castelo na lista da Oposição Democrática. Em 1973 fez parte da comissão nacional do III Congresso da Oposição Democrática, realizado em Aveiro.

Nos últimos anos da sua vida desenvolveu uma intensa atividade intelectual, quer na vertente técnico-científica quer, principalmente, na vertente cultural. Foi Presidente da Assembleia Ancorense e da Fundação Vila Praia de Âncora que auxiliava jovens a prosseguir estudos e foi um dos dez fundadores do Centro de Estudos de História Marítima, mais tarde designado por Centro de Estudos de Marinha, que daria, em 1978, origem à Academia de Marinha.

Entre os vários trabalhos que publicou, maioritariamente de cariz técnico, avulta, no campo da História, um estudo sobre a vida de Gago Coutinho, que publica em 1973. Também se debruçou sobre a figura de Fontoura da Costa, sendo ainda de mencionar o seu interesse pelo património arquitetónico da Marinha.

Faleceu em Lisboa, no Hospital da Marinha, na sequência de um carcinoma estomacal, no dia 16 de março de 1974. Doou à Junta de Freguesia de Vila Praia de Âncora as suas fardas de gala, insignias, condecorações e espada.

Entre as diversas condecorações com que foi distinguido, destaque para a Ordem Militar de Avis (Oficial - 1941, Comendador - 1943 e Grande Oficial - 1960) e, a título póstumo, pelo presidente da República Ramalho Eanes, com o grau de Comendador da Ordem da Liberdade. Em 1982 foi descerrado um busto do Almirante na sua terra natal, Vila Praia de Âncora.

A sua memória foi ainda homenageada com a atribuição do seu nome à estação radionaval da Apúlia, hoje desativada.

Fontes: Blogue do Minho e "Almirante Jorge Ramos Pereira" de Glória Maria Marreiros

publicado por Brito Ribeiro às 16:17

28
Set 23

Encontrei na doca de recreio em Viana do Castelo, este exemplar de Barquinha do Lima, que me pareceu bem conservado e perfeitamente operacional (já não existirão muitos).

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A Barquinha do Lima distigue-se pela elegancia das suas linhas, servia originalmente para transportar pessoas de uma margem para a outra e para a pesca fluvial, principalmente da lampreia, do savel e da solha, bem como na apanha da ameijoa.

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Movimentava-se habitualmente à vara, mas desde há bastantes anos que passaram a ser equipados com motores fora de borda, tando para isso sido reforçado o testeiro da pôpa.

Não sendo habitual usarem vela, estavam preparadas para serem dotadas de mastro e leme se as cirscunstancias o exigissem.

Em geral tinham entre quatro e seis metros de comprimento e a largura podia variar entre metro e meio e dois metros.

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publicado por Brito Ribeiro às 17:04

18
Jun 21

"O estudo da Maçonaria enfrenta algumas dificuldades, a principal das quais é a carencia de documentos...", palavras do Professor Doutor António Ventura, especialista em assuntos da Maçonaria com vasta obra publicada.

Da descoberta de documentos, paramentos e outro espólio da Vedeta do Norte, surge a vontade de dar a conhecer esta faceta da vida Ancorense.

Nada disto era possivel sem a colaboração dos descendentes dos antigos obreiros da Loja, que preservaram a memória que hoje colocamos à Vossa disposição. Nada disto era possivel sem o entusiasmo e o conhecimento do Professor Paulo Bento, autor do livro-catálogo da exposição.

Exposição patente no Centro Cultural de Vila Praia de Âncora até 12 de Setembro.

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publicado por Brito Ribeiro às 15:13

21
Ago 20

A vizinha povoação de A Guarda, de onde vieram muitos dos nossos antepassados, possui um monumento de homenagem aos marítimos e ao pescador guardês em particular, que é digno de ser visto. Pela grandiosidade, pela singularidade, mas também pela simplicidade como é caracteristica dos homens do mar.

A primeira vez que se discute formalmente da construção de um monumento à memória dos marinheiros guardeses foi na moção apresentada por Manuel Dias González “Ligeiro”, na sessão plenária da Câmara de A Guarda a 30 de Dezembro de 1983. Esta moção foi aprovada por unanimidade por Aliança Popular, PSG-PSOE e ALAGUA.

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A 14 de Março de 1986 a Câmara Municipal acorda instalar o futuro monumento ao pescador no porto guardês, com um orçamento de 6 milhões de pesetas, sendo adjudicado o trabalho ao escultor José Antúnez Pousa de Estás – Tomiño. A pedra viria de  Rebordans – Tui, sendo o tempo de execução da obra, um ano.

A 16 de Março de 1990 o Concelho acordou solicitar mais seis milhões de pesetas para finalizar as obras do monumento ao pescador. A 1 de Agosto de 1990 o escultor José Antúnez Pousa dá por terminada a sua obra.

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O conjunto de granito pesa 240 toneladas, tem cinco metros de altura e oito de largo, sem incluir a sua base.

O custo total era de 6,7 milhões de pesetas que logo subiu para 11,6 milhões, para no final chegar a 12,5 milhões de pesetas.

A pedra viera de Parga (Lugo), com um custo de 15 mil pesetas por metro cubico, mais os portes e mais tarde chegou a comprar-se por 25 mil pesetas por metro cúbico.

Recolhi os dados sobre este monumento de um texto (e fotos) do historiador guardês e meu estimado amigo, José A. Uris Guisantes.

publicado por Brito Ribeiro às 14:32

08
Abr 20

A enseada natural do Moureiro, Zona entre o Forte da Lagarteira e a foz do Rio Âncora, era apenas segura e praticável como abrigo náutico durante os curtos meses de verão e com mar calmo. Com mar agitado, aqueles rochedos tornavam-se garras afiadas que despedaçavam facilmente as frágeis embarcações dos pescadores.

Em 1865, foram executadas obras de restauro no Forte da Lagarteira, que ainda albergava alguns reservistas mas estava desarvorado há muito e concluiu-se um molhe de protecção, iniciado em 1862 ao norte deste baluarte, mas que pou­ca ou nenhuma segurança oferecia, como refere Pinho Leal.

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Os sucessivos acidentes com perdas de vidas e equipamentos, a pres­são pública local e até a influência dos banhistas, bem como as recorrentes críticas na imprensa, levam o governo, através das obras públicas distritais, a mandar construir dois paredões convergentes que garantissem um pou­co mais de segurança. Até à construção destes molhes e mesmo depois de terminados em 1884, quando o mau tempo surpreendia os barcos no mar, a solução passava por rumar para um porto mais seguro, Viana do Castelo ou A Guarda.

A construção dos molhes criou uma zona de varadouro maior e rela­tivamente mais segura, desenvolvendo-se a pesca de forma gradual, que veio a constituir um centro de pesca com alguma importância no panorama regional. No entanto, o perigo continuou a acompanhar os pescadores anco­renses e os naufrágios eram frequentes.

Depois de muitas reclamações, quer dos pescadores, quer da Junta de Paróquia e da Câmara de Caminha, a Direcção de Faróis construiu em 1902 duas colunas de pedra, distando entre si 26 metros, que suportavam dois “Faróis de Estai”, e que emitiam uma luz vermelha fixa, dando o enfiamen­to da entrada do Portinho (Faróis, 1929).

Pretendia-se que estas luzes fossem visíveis até 2,5 milhas, mas cedo choveram as críticas pois as lanternas eram fracas e estavam geralmente apagadas por falta de combustível. A “Voz do Âncora” era uma das vozes que dava largas à indignação:

O Senhor Pereira de Mattos que intelligentemente presidiu as sessões do Congresso, classificou de ratoeira o nosso porto de abrigo para barcos de pesca, e de lanternas de carruagem os pharois que para aí existem sem lentes, e assim mesmo como sám, sem combustível para funcionarem! (Nº 37 de 18 de Setembro de 1904)

Estes faróis foram alvo de vários melhoramentos, sendo de destacar a electrificação em 1925.

Gina do Mario Laura e Lucia Verde Rosalina e Conce

Com o crescimento da actividade piscatória, em número de embarca­ções, de tripulantes e de pescado comercializado, tornava-se imprescindível a presença da autoridade marítima na localidade, para dar respostas às demandas legais que a pesca obrigava. Por isso, na grande reorganização dos departamentos marítimos em 1917, pelo Decreto 3:649, em 30 de No­vembro, é criada a Delegação Marítima de Âncora.

“…exige a presença de um oficial da marinha para o regular andamento, coincidindo essa necessidade com as instantes reclamações dos habitan­tes dessas localidades nesse sentido.

Por motivos análogos é criada uma delegação em Âncora e outra em Quarteira.” (Diário da República, 1917)

No entanto, foi preciso a reconfirmação, pelo Decreto 5:703, de 10 de Maio de 1919, para finalmente a Delegação Marítima de Âncora abrir portas, com uma área de jurisdição “Desde Santo Isidoro até ao Forte do Cão e o rio Âncora até à ponte do caminho-de-ferro”. A guarnição desta delegação era composta por um delegado marítimo (Oficial auxiliar do secretariado naval ou da classe de manobra) e um cabo de mar (Diário da Re­pública, 1919).

Raul Brandão, atento e sensível, visitando a Lagarteira a 14 de Agos­to de 1920, escreve no seu livro “Os Pescadores”,

“A parte dos pescadores no areal difere completamente nos tipos, nos costumes e nas casas, naturalmente noutros tempos barracas de madeira construídas sobre estacas. Há quatrocentos pescadores, pouco mais ou menos, e centos e trinta e dois barcos varados na praia, todos pintados de vermelho. São maceiras, de fundo chato, tripuladas por dois homens, volanteiras ou lanchas da pescada por doze homens, e barcos da sardinha, que levam cinco ou seis peças de sessenta braças cada uma, e quatro homens. As redes têm estes nomes: peças as da sardinha, volantes as da pescada. Chama-se galricho a uma espécie de nassa com que se apanha a faneca: rastão ao camaroeiro; patelo à rede que colhe o caranguejo ou mexoalho; e rasco à da lagosta. As redes da sardinha são do mestre e as da pescada dos pescadores. Os quinhões dividem-se conforme o peixe.

No Agosto começa a faina do patelo, assim se chama ao mexoalho ou pilado, que se deita vivo à terra para estrume. Junta-se no mar uma es­quadra de barcos, que vêm da Póvoa, de Viana e da Caminha; junta-se na praia uma fiada de carros de todas as aldeias, próximas ou longínquas que o transportam para o interior das terras. O areal está alastrado de patelo que remexe. Vende-se a lanço ou a cesto, que leva cada um dois alqueires e custa três tostões. E por toda a costa neste tempo vai a mesma agitação na apanha do sargaço.” (Brandão, 1989).

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As relações entre pescadores do Porto d’Âncora e de A Guarda eram próximas e o intercâmbio comercial era uma necessidade incontornável, face às dificuldades económicas que se viviam quer na Galiza, quer no Norte de Portugal.

Enquanto as masseiras ancorenses levavam café, ovos, sabão e “ti­cum”, traziam na volta pão de trigo e milho, chocolate, conservas, carame­los e alpercatas. Apesar de clandestino, este negócio era geralmente tole­rado por aqueles que tinham por missão fazer cumprir a lei, pois recebiam uma gratificação dos donos das masseiras para acrescentar ao miserável soldo que o Estado lhes pagava.

Além deste contrabando/intercâmbio com os pescadores de A Guarda, algumas masseiras ancorenses colaboravam em acções de contrabando de maior envergadura, fazendo o transbordo das mercadorias entre o barco grande fundeado perto da costa, ao qual chamavam “galeão”, e o porto de descarga, que podia ser no “Caído” ou no “Caneiro” ao sul do Forte do Cão.

publicado por Brito Ribeiro às 10:47

O Lugar da Lagarteira continuava a crescer, rasgavam-se novas ruas para conferir capacidade construtiva aos terrenos, que eram disputados entre os pescadores e os lavradores de Gontinhães, bem como por forasteiros que procuravam o melhor sítio para construir os comércios ou casas de habitação.

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Porém, o núcleo habitacional compreendido entre o Portinho, o Campo do Castelo, a Rua e Travessa dos Pescadores, a Rua 13 de Fevereiro, Rua João Alves da Devesa, a Avenida Dr. Ramos Pereira, tal como a Rua Celesti­no Fernandes e parte da Rua Laureano Brito, mantiveram a coesão de classe até meados do século XX, sendo até essa data ocupada quase exclusiva­mente por habitações de pescadores e algumas pequenas tabernas.

Ainda na segunda metade do século XIX, inicia-se um outro tipo de movimentação populacional, de natureza distinta daquela que tinha origem nos pescadores guar­deses, embora com características de sa­zonalidade, cujos flu­xos se deslocavam em sentido inverso aos das populações pis­catórias, com a des­coberta por parte da burguesia urbana das virtudes terapêuticas da vida à beira-mar. Este fenómeno levou um número crescente de pessoas a afluir sazonalmente ao litoral em busca de repouso, de saúde e divertimento.

Após a estação dos banhos, entre Julho e Setembro, os banhistas da cidade davam lugar aos camponeses do interior que, após as colheitas vêm descansar durante os meses de Outubro e Novembro.

Ramalho Ortigão, no seu guia de viagens “As Praias de Portugal”, escreve:

“o tratamento marítimo que os doentes vão procurar nas praias, consta de três elementos distintos: a atmosfera marítima, a água do mar para uso interno e o banho de mar” (Ortigão, 1876).

Contudo, os banhistas não beneficiavam apenas dos banhos de mar, do sol e dos bons ares marítimos, mas também do espectáculo da beira-mar, da deslumbrante e imensa paisagem e das actividades que nela têm lugar, como a pesca e tudo o que com esta se relaciona; o bulício característico da chegada dos barcos ao portinho, as velas enfunadas das masseiras a gal­garem as ondas, o exotismo dos gestos e dos costumes, da linguagem e do trajar de gente tão pobre.

O dia-a-dia dos banhistas, além da contemplação paisagística e das actividades piscatórias, incluía passeios a pé, pela praia, de carruagem ou comboio até às freguesias próximas, bem como piqueniques, bailes e outras actividades como declamar, cantar, tocar piano ou jogar cartas ou bilhar, con­soante os gostos pessoais e o estrato social a que se pertencia (Nunes, 2003).

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Na Praia d’Âncora, várias famílias de banheiros não só se encarregavam de chamar os veraneantes para o banho de mar como tratavam da construção e aluguer das pequenas barracas de lona onde se mudava de roupa.

Mais tarde, as virtudes terapêuticas da água salgada revelavam-se de outra forma mais elaborada, os banhos quentes especialmente recomendá­veis para doenças reumáticas.

Para isso chegaram a existir três estabeleci­mentos de talassoterapia, para onde as raparigas acarretavam cântaros de água salgada que depois era aquecida numa caldeira e fornecida em tinas individuais aos utilizadores.

publicado por Brito Ribeiro às 10:27

31
Mar 20

2 - Vista parcial do Portinho e Avenida Marginal -

Este conjunto de sete posts sobre o início da comunidade piscatória de Vila Praia de Âncora procura esclarecer algumas dúvidas designadamente, sobre a construção do portinho e a sua evolução ao longo dos séculos XIX e XX.

O texto foi retirado e adaptado do livro "A Masseira Ancorense" que eu próprio e o amigo Celestino Ribeiro escrevemos em 2015.

 

O longo areal entre o Moureiro e Penedim (afloramento rochoso no Lugar da Gelfa), tal como a bacia natural bem abrigada por entre penedos, eram con­dições propícias às incursões de piratas e corsários do norte e da pirataria ber­bere vinda do norte de África.

Por isso, a povoação de Gonti­nhães, que a partir de 1924 passou a designar-se Vila Praia de Âncora, cres­ceu afastada do mar e destes perigos, sem nunca deixar de explorar os benefí­cios que dele podia extrair.

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Sazonalmente, durante os meses de verão, faziam a apanha de algas para fertilizaram as terras e o peixe que nas trancadas (armadilha que consiste em estender uma rede transversal ao curso do rio para capturar o peixe que sobe ou desce para o mar) do rio ou nas camboas (recinto vedado com pedras soltas, entre a linha de praia-mar e baixa-mar, onde se apanham os peixes que ali ficam presos com a descida da maré) logravam capturar.

A pretexto da Guerra da Restauração (1640-1668) e porque esta cos­ta era frequentemente fustigada pelas incursões de piratas, foram cons­truídos no final do século XVII um conjunto de fortificações no Norte de Portugal, designadamente o Forte do Cão e o Forte da Lagarteira, junto à referida bacia natural. Com o problema da segurança resolvido, Gontinhães vai progressivamente descer dos montes, mas a actividade marítima parece não ter sido desenvolvida pelos seus habitantes.

Do lado sul do Forte da Lagarteira é identificável uma pequena reen­trância entre a penedia que inflecte para sueste a partir do seu ponto mais proeminente, a Ponta das Medas, e os afloramentos rochosos do Moureiro a desvanecer para dar lugar à zona arenosa que se estende até Penedim, no outro extremo da enseada, onde a costa retoma novamente a característica rochosa até às praias de Afife.

Refere o Abade de Gontinhães em 1758 (Inquirições de 1758),

“nesta freguesia há um Porto de Mar por natureza, aonde chamam o Porto de Âncora no sítio do lugar da Lagarteira, pelo qual entram somente barcos de pescadores, e algumas lanchas de Galiza e Caminha, principal­mente nos meses de verão, ou estando o Mar sereno”.

Nesta reentrância destacam-se em pormenor a característica rochosa do leito, às vezes parcialmente assoreado, a proeminência do lado norte da Pedra Fanequeira e mais a poente desta, o baixio do Lira semi-submerso.

O varadouro é arenoso a partir da linha de meia maré. Na zona envolvente do varadouro são já visíveis as primeiras constru­ções, umas simples instalações onde se guardam alfaias e o sargaço, aqui abundante, depois de seco. Esta actividade de recolha, secagem sobre a penedia e armazenamento do sargaço, é exercida pelos lavradores da fre­guesia, que são os proprietários das instalações e das parcelas de terreno anexas.

Por esta altura encontram-se aqui, junto às pequenas instalações do sargaço, três ou quatro barcos de pesca propriedade de lavradores da fre­guesia que, na acalmia dos meses de verão pescam para consumo e eram utilizadas na recolha do sargaço que arrancavam na baixa-mar com a ajuda de foices. Tratava-se, talvez, de pequenos caíques, tripulados por um ou dois homens.

A reentrância que vai dar origem ao Portinho é assinalada numa carta da costa portuguesa de 1753 com a seguinte descrição:

“Segue-se a costa mais áspera até ao rio Âncora, em recifes de pedras. Junto deste rio, por entre penedos, há uma entrada de braça de fundo, amparado do tempo, onde se recolhem muitos barcos portugueses e ga­legos.“ (Peixoto, 2001)

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Esta é uma confirmação do carácter sazonal da actividade piscatória e que era desenvolvida por gentes estranhas à comunidade local, que ficavam por alguns dias ou semanas acantonados precariamente em cobertos ou mesmo no aconchego possível dos barcos varados na areia.

Um manuscrito de 1818, assinado por “Presa”, refere-se a esta reen­trância chamando-lhe “Portinho de Âncora, guarnecido com um bom castelo”. E faz alusão à ac­tividade piscatória desenvolvida dizendo que “Corre aqui muito dinheiro todos os anos e por isso lhe chamam “porto do ouro”.

publicado por Brito Ribeiro às 13:16

A expressão “Portinho” é a designação futura do conjun­to da reentrância, varadouro e zona envolvente onde vai nas­cer o bairro piscatório, no lugar da Lagarteira.

Não refere, porém, donde vêm estes pescadores, mas presume-se, que, então, havia pescadores vindos de fora radicados neste lugar, pelo me­nos durante parte do ano.

Eram pescadores que ficavam por algum tempo, dias ou semanas, livremente ou retidos pelas condições adversas do tempo e das condições de mar, acantonados pacificamente nas instalações onde os lavradores arma­zenavam o sargaço ou no aconchego precário das embarcações varadas na areia. Neste caso, geralmente, viravam a embarcação de fundo para cima e metiam-se lá dentro ao abrigo do frio noturno e da chuva.

Assim descreverá em 1886, Baldaque da Silva:

“Antigamente havia aqui três ou quatro barcos de pesca pertencentes a lavradores, não existindo ainda obra alguma para abrigo.”

 

Ainda não há qualquer referência a masseiras, mas tão só a lanchas e barcos. Ora, este tipo de embarcações eram as principais embarcações de pesca durante muitos anos em A Guarda. Eram embarcações de tipologia poveira introduzidas pelos poveiros no porto guardês, onde estiveram juntos com vianeses e outros, vindos de outras partes a quem se deve ainda hoje o nome de uma rua de A Guarda: a Rua dos Malteses. Era gente de fora que foi para ali trabalhar em grupo, ou em malta. Mas foram os poveiros que, no séc. XVIII, estiveram nas rias galegas aquando da introdução da arte da xávega pelos fomentadores catalães e aí conheceram a lancha xeiteira das rias, que depois adaptaram à navegação oceânica e assim nasce o barco poveiro.

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Em Gontinhães, a economia de subsistência baseada na pequena pro­priedade rural, foi desde sempre o modo de vida desta gente.

Só em 1825 aparece mencionado nos registos paroquiais um pesca­dor galego, António Verde, nascido em A Guarda, casado com Rosa Beñita de Peña, com a mesma naturalidade. Registam em Gontinhães o seu sexto filho e têm com eles a viver os outros cinco, nascidos naquela paróquia ga­lega (Rego, 2012).

Mas a hipótese de que um reduzido número destes pescadores migran­tes já estar, por essa altura, aqui definitivamente instalados, mantém-se.

O Rio Minho é uma fronteira facilmente transponível e as condições naturais de abrigo marítimo da enseada da Lagarteira tornam-se atraentes para os pescadores guardeses.

Até esta data não há qualquer registo de naufrágios ou qualquer re­ferência à existência de pescadores, apenas referências ocasionais às acti­vidades piscatórias durante a acalmia de verão e às disputas na apanha do sargaço entre populações das paróquias vizinhas. É bem conhecida a dispu­ta entre os residentes de Gontinhães e de Moledo a propósito da apanha do sargaço, tendo até dado origem ao topónimo do lugar em litígio, o “Caído” (Porto Caído, perto da Capela de Santo Isidoro).

Entre 1825 e 1839 existiam 7 famílias de origem galega instaladas no lugar da Lagarteira, número que subiu para 26 no período compreendido entre 1860 e 1879.

A nova actividade económica não era exclusivamente preenchida por galegos, pois chegaram pescadores de portos vizinhos como Seixas e Cami­nha, Montedor, Viana, Castelo do Neiva ou Fão e ainda residentes na paró­quia, das famílias mais pobres. Em 1855 existiam 13 lanchas e 5 masseiras; as lanchas eram embarcações maiores, mais robustas, usadas na pesca ao largo, para captura de espécies como a pescada ou a lagosta.

1 - Ilustração de Domingos Luís Verde, o Pinga.

A fragilidade das condições naturais ofere­cidas pelo portinho natu­ral, motivavam frequen­tes acidentes, logo que o mar ficava mais agitado. Pressionadas pelas notí­cias dos naufrágios ocor­ridos, as Obras Públicas Distritais, por dotação do Ministério do Fomento e Obras Públicas, iniciaram em 1862 a construção de um quebra-mar pelo nor­te do Forte da Lagarteira, formado por um muro de pedra encaixada, do mesmo modo que as paredes das camboas.

A segurança resultante desta obra era pouco animadora e o quebra-mar foi várias vezes destruído e reconstruído.

Entretanto, várias famílias galegas vinham instalar-se na Lagarteira, transformando a frequência sazonal do Verão em residência fixa durante todo o ano. Importa agora perceber o motivo para a emigração galega, sen­do certo que o Rio Minho promovia uma falsa separação, pois as afinidades socioculturais e linguísticas eram imensas.

No início do séc. XIX vivia-se na Galiza uma fase de pobreza econó­mica, em parte devida ao aumento populacional. Esta pressão demográfica e o desequilíbrio entre recursos disponíveis e população é a causa maior da emigração galega, se bem que os conflitos bélicos, o agravamento dos impostos e as levas militares também tivessem contribuído para a mobilida­de galega. Se a maioria rumou à América, outros demandavam Lisboa e o Porto, bem como a zona do Douro, uma minoria recolheu-se nos povoados portugueses próximos da fronteira. Assim fizeram os pescadores guardeses, que com eles trouxeram todas as suas técnicas, as ferramentas e os equi­pamentos de pesca.

publicado por Brito Ribeiro às 13:11

O período mais significativo da demanda do Portinho de Gontinhães por pescadores de A Guarda, no século XIX, insere-se no contexto geral da diáspora galega, que a poetisa Rosalia de Castro, num lamento sentido, canta:

     “Este parte, aquele parte

      E todos, todos se vão;

     Galiza ficas sem homens,

     Que possam cortar teu pão.”

 

Com efeito, as guerras, as convulsões políticas e sociais já decorren­tes do século anterior, agudizaram neste século as condições económicas da Galiza, mergulhando-a na insegurança e na pobreza. Eram já razões bastan­tes para partir.

Entre 1825 e 1924, 43% dos nascimentos re­gistados na freguesia de Gontinhães, tinham, pelo menos, um dos progenito­res como imigrante galego, o que atesta a importân­cia que esta comunidade ganhou ao longo dos anos (Rego, 2012).

Nessa época, tal como na actualidade, a emigração é a busca por melhores condições de vida e a ela recorrem os sectores mais vulneráveis da sociedade.

Pinho Leal escreve com preocupação e até uma ponta de amargura sobre a Lagarteira:

“Na Lagarteira ha um fortim que foi reparado em 1865 e que tem uns 3 ou 4 veteranos de guarnição; mas há muitos anos está completamente desartilhado.

Também há aqui, junto e ao S. do tal fortim, um varadouro chamado Por­tinho, onde só podem entrar as pequenas lanchas de pesca. Está de todos os lados cercado de penhascos, onde quasi todos os annos há desgraças a lamentar, pois os barcos n’elles se despedaçam com frequência. É verdade que em 1865 se concluiu um quebra-mar, ao N. do Portinho, por conta das obras públicas do districto, que evita alguns perigos e sinistros; mas muito mais útil seria aos pobres pescadores d’aqui, se fosse mais sólida e scientificamente construído. Este, no estado em que está, não dá grande crédito a quem o deliniou!

O mar, com qualquer temporal (que é quando o corta-mar era precizo) galga sobre elle com a maior semceremonia!” (Leal, 1875).

10 - Ilustração de Pinho Leal. O Portinho antes

Face ao aumento de movimento de barcos e de pescado, às notí­cias das perdas de vidas nos naufrágios e à crescente impor­tância da Praia d’Âncora como estância balnear, decidiram as Obras Públicas Distritais cons­truir a sul do Forte da Lagartei­ra dois molhes convergentes e delimitantes do varadouro. As obras de construção dos mo­lhes, corte das pedras do inte­rior e aprofundamento, duraram até 1884 e tiveram um custo de 10:661.820 reis.

Neste valor estão incluídas despesas com diversas obras de recons­trução, já que durante este período o mar continuou a fazer estragos nos molhes; o quebra-mar a norte ficou abandonado (foi sensivelmente sobre este pequeno e tosco quebra-mar que se construiu em 1935 o molhe do Porto Novo).

Após a conclusão das obras, os episódios de destruição desta infra-estrutura são frequentes e ocorrem até mais de uma vez por ano, para desespero dos pescadores e dos Serviços Fluviais e Marítimos que tinham a responsabilidade da sua conservação.

Exmo. Snr. Engenheiro Chefe da 1ª Secção da 1ª Direcção dos Serviços Fluviais e Marítimos

Já tenho ido por três vezes ao portinho de Gontinhães para proceder ao conserto de que V. Exc. me deu ordem mas não tem sido possível poder-se fazer o referido conserto por o mar estar muito levantado, agora dei ordem aos pedreiros para ser feito na ocasião das marés vivas, o que também me parece que temos no molhe sul mais ou menos estrago o que poderei ob­servar na ocasião das marés vivas.

Deus guarde V. Exc.

Riba d’Âncora 30 de Dezembro de 1903

O apontador de 2ª classe

João José Rodrigues Gomes de Oliveira

 

A troca de correspondência entre os homens no terreno e a Direcção Distrital da Obras Públicas (esta correspondência está conservada no Arquivo Distrital de Viana do Castelo, Secção de Hidráulica) era abundante, apontando frequentemente er­ros de concepção e construção como causa das avarias.

Exmo. Senhor Engenheiro Chefe da 1ª Secção da 1ª Direcção dos Serviços Fluviais e Marítimos

Exmo. Snr.

Depois que recebi a nota de serviço nº 149 datada de 18 do ano e mês findo em que me ordenou que procedesse sem perca de tempo às repa­rações do estrago feito no molhe norte do portinho de Gontinhães, não me foi possível proceder logo aos três consertos por não haver pedreiros na ocasião e que na mesma ocasião assentei com o pedreiro Constantino Sobreiro o dia em que ele tinha pedreiros e que havia de proceder aos re­paros, o que disto dei parte a V. Exc.. Porém no dia marcado 28 do mês e ano findo não foi possível proceder-se aos referidos reparos por causa da chuva e alteração do mar. Em vistas de tudo isto determinei e ficou para as marés vivas de que dei parte naquela mesma ocasião a V. Exc. Na qual também lhe dizia que no molhe sul me parecia haver estrago, todavia on­tem que se havia de dar princípio aos reparos mas que se não pode dar por causa do mar e chuva e o mesmo aconteceu hoje, mas que todavia hoje pude descobrir que no molhe sul é preciso fazer em uma pequena distan­cia recalce, o que no dia 7 do corrente é que assentei com o Constantino procedermos aos consertos caso o mar e chuva deixe. E para isso convido a V. Exc. Para vir até cá ver a que há a fazer. Enquanto a vigilância com­binei com o Lopes o ele vigiar de noite e eu e ele de dia, porém, segundo informações não houve mão mal fazeja como ao principio parecia, e que os pescadores dizem que tudo é motivado da falta do penedo que se quebrou.

Deus guarde V. Exc.

Riba d’Âncora, 5 de Janeiro de 1904

O apontador de 2ª classe

João José Rodrigues Gomes D’Oliveira

publicado por Brito Ribeiro às 13:06

Em 1886, Baldaque da Silva (Capitão Tenente da Armada, engenheiro hidrográfico e membro da Comissão Permanente das Pescas) descrevia o Portinho de Gontinhães da seguinte forma:

“Situado entre a embocadura do Rio Âncora e o forte do mesmo nome, fica um pequeno porto oceânico formado por dois paredões ou quebra mares convergentes, que o abrigam um pouco das vagas, a que chamam Portinho de Gontinhães ou da Lagarteira.

Para o interior da praia deste porto estão as casas dos pescadores, habi­tando também na povoação de Gontinhães e nas freguesias circunvizinhas desta.”

 

Esclarece ainda, que nesse ano estavam registadas 5 lanchas, 28 bar­cos e 32 masseiras, portanto 65 embarcações e 164 tripulantes.

11 - Portinho d'Âncora - Início do Séc. XX.jpg

Este número de tripulantes pode estar incompleto, pois em cada lan­cha pescavam cerca de 20 homens, nos barcos, que seriam catraias grandes e catraias pequenas, embarcavam 4 ou 5 tripulantes e cada masseira em­barcava 2 homens, às vezes três. Tudo somado daria um total de cerca de 300 tripulantes.

Os números que aqui registamos são os que habitualmente embar­cavam, no mínimo, em cada tipo de embarcação no Portinho de Âncora. Também deve ser tomado em consideração que, nessa época, o registo dos marítimos era menos rigoroso e provavelmente continuaria a praticar-se alguma migração sazonal entre o Portinho d’Âncora e A Guarda.

As tripulações dos mesmos tipos de embarcações, ou similares, dos portos de Viana do Castelo e Póvoa de Varzim eram bastante superiores, a saber, lanchas de 14 metros 20-30 tripulantes cada; catraias grandes de 8 metros de comprimento, 8-10 tripulantes cada; catraias pequenas, de 6 metros de comprimento, 5-8 tripulantes; caíques de 3,60 metros, 2-4 tripulantes.

Sobre o Porto Novo dizia Baldaque da Silva:

“Pelo norte do forte de Âncora existe uma espécie de varadouro, cortado na penedia, começo de uma obra para refúgio das embarcações de pesca, que não se chegou a concluir, conhecido pelo nome de Porto Novo, que é actualmente aproveitável como porto de sargaço”. (Silva, 1891)

Reclamando sobre as condições de segurança do Portinho, também o semanário “A Voz do Âncora” (Semanário local que se publicou entre 3 de Janeiro de 1904 e 31 de Dezembro de 1905, do qual era director João José de Brito), insurgia-se frequentemente:

“Ali temos, por exemplo, o nosso porto de pesca, isto é, uma perfeita “ratoeira” para apanhar homens, se a muita prudência daqueles, que, no mar, buscam os meios de vida, os não aconselhasse a procurar outros abrigos, apenas o grande elemento mostra indícios de embravecer”;

(…)

“Têm vindo para aí, por diversas vezes, uns centos de mil reis para fazer reparos nos “molhes” que formam o nosso porto(?). Os trabalhos que,

com tal dinheiro, se tem feito não têm sido mais que um entretenimento para o mar, na quadra tempestuosa do inverno.”;

“Os pescadores bem gritam que, assim, de nada serve perder tempo e di­nheiro; bem indicam a maneira de se fazer, duma vez, coisa que sirva, mas… não há meio. Os governos preferem ir estragando a pouco e pouco, embora isso lhes custe mais caro que lhes cus­taria a obra bem feita.”;

(…)

“E é para tudo que diga respeito ao mar, esse fac­tor da nossa vida comercial e indus­trial, que nós pedi­mos mais instan­temente a atenção dos que, pelo lugar que ocupam, po­dem, por assim di­zer, mandar.”

Em 1911, insatisfeito com as condições de segurança dos pescadores ancorenses, o senador republicano Luís Inocêncio Ramos Pereira, grande amigo da classe piscatória ancorense, dirige um requerimento ao Ministro do Fomento, solicitando diversos esclarecimentos, sendo emitida uma ordem de serviço aos serviços técnicos no sentido de dar provimento à demanda do senador.

Ministério do Fomento – Direcção Geral de Obras Públicas – Repartição de Obras Públicas – Ordem de serviço nº 980

A fim de satisfazer um requerimento do Senhor Deputado Luís Inocêncio Ramos Pereira queira V. Exc. Prestar os seguintes esclarecimentos:

1º Em quanto importou a construção do porto de pesca (varadouro) de Gontinhães do concelho de Caminha?

2º Quanto se tem despendido nas reparações?

3º Em que tem constituído essas reparações?

4º Qual o seu estado actual?

5º Quais as suas condições de segurança?

6º Tem em todas as marés água suficiente para a entrada de qualquer embarcação de pesca?

7º Que obras merece se lhe façam?

Direcção Geral de Obras Públicas e Minas, em 12 de Agosto de 1911

Para o Engenheiro Director dos Serviços Fluviais e Marítimos (1ª Direcção)

O Director Geral, Severiano Monteiro

Masseiras no Varadouro - 193627

Está conforme

Porto, 17 de Agosto de 1911

António D’Albergaria Pereira

10968196_369607599877675_2700204022255659476_n (2)

A resposta chega cerca de duas semanas mais tarde, o que denuncia, pela brevidade, que havia pensamento feito sobre este assunto e sobre a forma de corrigir o Portinho de Âncora.

Nota de serviço nº 129, em 30 de Agosto de 1911

Respondendo ao que me foi determinado em nota de serviço da Direcção nº 941 de 17 de Agosto corrente que acompanhou a ordem de serviço do Ministério nº 980 de 12 do referido mês, compete-me informar o seguinte:

1º Que o custo do porto de pesca (varadouro) de Gontinhães, do Con­celho de Caminha, construído desde 1862 até 1884 importou segundo as notas existentes de despesa dessas datas 10:661,820 reis.

2º Que tem sido diversas as reparações principalmente no molhe norte que em diferentes anos o mar tem destruído na parte extrema do molhe, montando as despesas feitas com essas reparações em 1:863,380.

3º Que essas reparações têm sido, como acima digo, em reconstruir principalmente o molhe norte junto da entrada do porto, limpeza deste feita por várias vezes e consertos de vários rombos no molhe sul.

4º Que no estado actual encontra-se o leito do varadouro entulhado de pedras principalmente junto do molhe norte, pedra que é proveniente deste molhe, em virtude da sua destruição de cerca de trinta metros, junto da entrada do porto.

5º Que tem sido diversas vezes que o molhe norte sofreu avarias e será difícil fazer a reconstrução de tal forma que o mar não produza sucessiva­mente ruinas iguais às que se tem dado, porque a superfície das rochas naturais sobre que se tem de assentar o molhe são muito inclinadas e a direcção do molhe recebe a pancada do mar quase mortalmente.

6º No estado actual o varadouro não tem água para entrarem os barcos de pesca em qualquer ocasião ficando nas baixas marés de águas vivas todo a seco como se vê na planta que junto remeto e a classe piscatória pede com urgência a limpeza do porto e a abertura de uma espécie de canal com a largura de oito metros e a profundidade de 1,50 desde a entrada do porto até à rampa de varagem, petição esta que considero justíssima e que se deve atender desde já.

7º Todos os anos o mar causa mais ou menos ruinas naquele molhe e a conservação dele tem de ser indefinidamente mais ou menos dispendiosa. Parecendo-me por isso, que o mais conveniente seria tirá-lo fora cortando a rocha sobre o qual ele assenta e ainda toda a que existe ao norte até perto do cunhal do Forte de Âncora à cota um metro abaixo de zero Hidro­gráfico. Desta forma amplia-se muito a superfície do varadouro, sem al­terar a sua entrada podendo os barcos de pesca ficar constantemente em flutuação e evitando-se a varagem para junto das casas, salvo no caso de tempestade ou mar muito agitado. O rochedo existente a nascente do ac­tual portinho ficará sendo um abrigo natural do alargamento, que entendo deve fazer-se, não sendo preciso molhe de abrigo. O aumento da superfí­cie do varadouro será cerca de 1400m2 e o volume de rocha de 7000m3, cortada até um metro abaixo do zero hidrográfico. O corte e transporte deste volume quase todo extraído a seco, não deve importar em mais que 7:000.000 reis, isto é, 1000 reis por metro cubico. Finalmente as despesas a fazer com o portinho d’Âncora dividem-se em duas partes, uma urgente que é a limpeza e corte de um metro e cinquenta centímetros de altura com a largura de oito metros no actual varadouro e o alargamento deste para o norte. A primeira entendo que se faz com sete contos de reis e a segunda com três contos.

O Eng. Chefe de Secção (assinatura ilegível)

publicado por Brito Ribeiro às 12:58

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