Ambiente, história, património, opinião, contos, pesca e humor

27
Mar 18

Artigo que escrevi para a revista Vale Mais do passado mês de Janeiro, onde abordo questões de identidade cultural e um caso concreto ocorrido no Vale do Âncora.

 

O que é o património cultural? De forma resumida, porém objectiva, é o conjunto de bens, materiais e imateriais, considerados de interesse colectivo, com importância suficiente para serem perpetuados.

O património remete-nos para o passado, porque é um testemunho, uma manifestação e uma convocação desse mesmo passado. É sua função criar uma memória dos acontecimentos mais importantes, reunidos no conceito de memória social, que recorrendo ao património, legitima a identidade de um grupo.

O património desenha a identidade histórica e as vivências de um povo, seja de uma nação pelo conceito de identidade nacional, de um grupo étnico, comunidade religiosa, tribo, clã, família ou outro. É a herança cultural passada, que vivida no presente, será transmitida às gerações futuras.

Deve-se ter em conta que, por vezes, há manipulação ideológica do que pode ou não pode ser património. Quem decide o que é relevante preservar é um grupo (elite) e não o colectivo como um todo (povo). Atendendo à estreita relação entre património e identidade, a identidade de um grupo ou de uma sociedade é sempre um processo selectivo e fragmentado.

Em regra, a preservação do património implica custos e como os recursos públicos são sempre escassos, todos conhecemos casos mais ou menos óbvios de abandono, ruina ou esquecimento que nos revoltam, abalando a nossa confiança nos gestores da causa pública.

Ponte Eiffel - 1989 antes de ser desmontada.jpg

O caso que vos relato passa-se em Vila Praia de Âncora, de onde sou natural e causa-me algo mais que um simples desconforto.

Em 1989 a CP, por razões técnicas, decidiu substituir a centenária ponte ferroviária sobre o Rio Âncora, construída pela Casa Eiffel em 1876, por uma estrutura mais moderna e capaz de suportar as exigências atuais, quer em tonelagem, quer em velocidade das composições.

A estrutura antiga foi desmontada e depositada nas proximidades, aguardando destino condigno. Não faltaram sugestões locais para uma reforma condigna da ponte, a condizer com os seus pergaminhos.

Certo é que esteve oito anos a aguardar destino, acabando por ser transportada (1997) por uma força da Engenharia do Exército, para o Município de Póvoa de Lanhoso, onde foi mais uma vez abandonada junto ao rio Cávado cerca de vinte anos, até ser transportada para as traseiras de uma fábrica metalúrgica onde ainda se encontra, abandonada, sem préstimo e que mais tarde ou mais cedo terá como destino ser entregue a um sucateiro para desmantelar.

Se em 1997 a autarquia Caminhense não estava muito sensível à preservação deste património, hoje a Junta de Freguesia de Santa Maria de Âncora empenha-se ativamente no regresso daquela estrutura, faltando apenas um maior empenho das Câmaras Municipais de Caminha e da Póvoa de Lanhoso, da comunicação social e das associações locais de defesa do património, para o retorno deste marco da arquitectura ferroviária do século XIX.

A análise sobre património cultural não se esgota neste simples texto, nem no exemplo dado. Longe disso, mas proporciona ao leitor uma melhor compreensão da necessidade de preservar o património natural e cultural, não apenas a nível global, mas a nível local, de forma a legarmos às gerações vindouras uma memória e uma identidade onde cada indivíduo se reconheça.

Importa, pois, ter em conta a existência de culturas locais específicas, às quais está agregado um património que, assim, dá origem a identidades culturais com referências locais.

 

publicado por Brito Ribeiro às 09:28
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