A gastronomia da classe piscatória ancorense era pobre e variava apenas com a disponibilidade dos alimentos, em função das estações do ano. A sua principal fonte de proteína era o peixe, às vezes os ovos e, mais esporadicamente, a carne de porco e as aves de capoeiras.
O peixe era consumido fresco, salgado ou seco, constituindo estas duas formas de conservação uma reserva alimentar para o Inverno ou para os períodos prolongados de tempestade que os impedia de “ir ao mar”.
Em finais do século XVIII e inícios do século XIX, uma conjuntura internacional condicionou a entrada de bacalhau, de consumo quotidiano, levando a uma atenção redobrada sobre métodos que, salgando a sardinha (e outros peixes), substituísse com êxito o “fiel amigo”. Esta sardinha ficou conhecida como “de barrica” (Amorim, Da pesca à salga da sardinha, 2014).
Quando vinham do mar, cada pescador tinha direito a um quinhão de peixe chamado “caldeirada” e que era constituído por exemplares com menor valor comercial ou com algum defeito (roído, por exemplo).
Era deste quinhão que a família se alimentava, cozinhando, conforme as espécies, em caldeirada, frito, cozido ou grelhado. Era também este peixe a base da refeição que o pescador levava para o mar no “foquim” ou “baú” e que comia a bordo num dos momentos de pausa, enquanto esperavam para alar as redes ou os anzóis. O baú, inicialmente era uma caixa em madeira que o pescador levava para o mar e que transportava a merenda. No caso dos mestres, guardava também os documentos do barco, bem embrulhados em lona para não se molharem acidentalmente e a agulha de marear. Em meados do século XX a caixa de madeira foi substituída por uma caixa metálica.
Para consumir frio, a preferência era por peixe frito, simples ou com cebolada e variava entre fanecas, “sorelos” (carapau grande), maragotas, sardinha, raia, cação, cavala, cascarra ou negrão. O acompanhamento habitual para o peixe era a batata, mas por vezes era substituído pelo arroz ou massa. O caldo de hortaliça era o aconchego dos estômagos, muitas vezes o único alimento em épocas de maior penúria.
O peixe que secavam era: a raia, a cascarra, o cação e o “sorelo”, dependia dos gostos de cada família. Os pescadores das lanchas traziam do “Profundo” outras espécies como o “alimão” e a “pala” que também secavam ao sol, depois de esfregados com sal para a mosca varejeira não pousar. O “profundo” era um pesqueiro no extremo da plataforma continental a cerca de 35Km da costa.
Em caso de doença, era sacrificada uma ave da capoeira, com a qual se fazia a canja, sendo o restante consumido cozido. Em dias de festa também podia a galinha ser a ementa, guisada de preferência, pois as bocas eram sempre muitas a alimentar e assim “rendia” mais.
A importância do porco na vida dos pescadores, tal como na vida rural, era fundamental. Embora nem todas as casas da classe piscatória “matassem porco”, a maioria possuía uma pequena corte, onde criava o suíno, que depois era abatido e desmanchado, sendo as suas carnes aproveitadas para enchidos e para salgar. A carne de porco constituía mais de 80% da dieta carnívora dos pescadores. A matança do porco, um ou dois, conforme as necessidades e a importância da casa era, como diz o ditado, o governo da casa para todo o ano (Rosende, 2009).
A matança constituía, tal como ainda hoje, um dia de festa para os familiares e vizinhos que vêm ajudar, pois são muitos os trabalhos que acarreta.
Fotos de Jorge Simão Meira