Em Outubro de 2016 publiquei na revista "Vale Mais" um artigo sobre as consequências dos incêndios florestais. Procurei sintetizar e expor de forma clara e objectiva as implicações deste flagelo na vida das pessoas. Hoje, mais que nunca, o artigo parece-me actual.
Neste número da revista Vale Mais não podia deixar de reflectir sobre o drama recorrente dos incêndios florestais. Durante o verão que agora finda (2016), Portugal foi fustigado por inúmeros fogos de grandes dimensões, que destruíram uma parte significativa do seu espaço rural e até de núcleos populacionais como o caso do Funchal. Isto repete-se todos os anos, com maior ou menor dimensão, dependendo de factores tão imprevisíveis como o vento, a humidade, a temperatura ou a quantidade de material combustível presente no solo.
Parece ser consensual que a maioria esmagadora das ignições é de origem humana, algumas por negligência, muitas intencionais. E a justiça entra na dança, prende, solta, volta a prender e os incendiários continuam por aí, geralmente conotados com o alcoolismo ou demência, sem se averiguar verdadeiramente as motivações e quem lucra de forma directa ou indirecta com esta calamidade.
O que é certo, é que a madeira queimada continua a vender-se ao preço da “uva mijona” e um sector como a silvicultura, que em Portugal tem um potencial avaliado em vários milhares de milhões de euros, com capacidade de gerar muitos milhares de postos de trabalho, continua a ser encarado como o parente pobre da economia, gastador de recursos e fomentador de canseiras e perigos.
Vejamos, de forma resumida, as consequências dos incêndios florestais e os impactos que causam na natureza e na sociedade:
- Depreciação cénica na paisagem
O impacto visual após um incêndio florestal é terrível;
- Morte de plantas
É o efeito mais visível e causa os mesmos problemas da desflorestação massiva;
- Perdas humanas
Quase todos os anos há a lamentar a perda de vidas humanas ou ferimentos mais ou menos graves, sejam de populações ou de bombeiros;
- Destruição de bens materiais
Aspecto cada vez mais mediatizado com as perdas de habitações, equipamentos e culturas agrícolas;
- Quebra de receitas para o turismo
Facilmente se percebe das consequências dos incêndios no turismo de natureza;
- Perda de material lenhoso
A floresta é uma fonte de receita por parte dos seus proprietários. Após a passagem de um incêndio o valor comercial do material lenhoso desce consideravelmente, perdendo mesmo, em algumas situações, todo o seu valor;
- Perda de receita proveniente da resinagem
É uma actividade que estava a renascer, após longos anos de inactividade que sofre um duro golpe na área de pinhal;
- Destruição de apiários
Quer a destruição das colmeias, quer a destruição dos locais de alimentação das abelhas, representam uma quebra de produtividade na apicultura e uma diminuição da acção de polinização das abelhas nas plantas silvestres;
- Perda de biodiversidade
Toda a fauna e flora de uma área ardida é gravemente afectada e dependendo da intensidade, existem plantas e animais que, no limite, se extinguem.
Foi o que aconteceu no incêndio de 2010 nas serras da Madeira em que a única população de “Sorbus maderensis”, espécie endémica da ilha da Madeira, foi extinta do seu habitat natural. Valeu na altura a existência de plantas em viveiro da Direcção Regional de Florestas e Conservação da Natureza provenientes daquele local, promovendo-se à posterior instalação de novos exemplares. A população da freira-da-madeira, “Pterodroma madeira”, ave endémica da Madeira, foi na mesma altura gravemente afectada pelo mesmo incêndio;
- Emissões de CO2
Um incêndio tem um efeito duplamente negativo ao nível das emissões, na medida que origina a libertação de gases com efeito estufa, como reduz a capacidade de absorção e armazenamento de CO2.
Outro factor associado às emissões é a emissão dos fumos que poderão causar constrangimentos respiratórios, além de dificultarem a logística operacional no combate com meios aéreos;
- Perda de Solo
Os incêndios provocam a destruição das árvores e do coberto vegetal do solo ficando o mesmo mais susceptível à acção directa da chuva e dos ventos, podendo em zonas com maior pluviosidade e de maior pendente existir arrastamento do solo e empobrecimento por arrastamento dos nutrientes. Este fenómeno poderá igualmente provocar a contaminação de linhas de água;
- Perigo de aluviões e enxurradas
As áreas afectadas por incêndios florestais, principalmente as zonas mais declivosas, tornam-se mais vulneráveis a arrastamento de massas de solo;
- Surgimento de espécies invasoras
Após um incêndio as primeiras plantas a colonizarem o espaço afectado são as plantas invasoras. A expansão rápida destas espécies, algumas bem adaptadas ao fogo, como a haquea-picante, “Haquea cericia”, contribuem para a perda de biodiversidade e consequente aumento da incidência de novos incêndios;
Está a gerar alguma expectativa a decisão de promover durante o mês de Outubro, um Conselho de Ministros exclusivamente dedicado a tomar decisões sobre a problemática dos incêndios florestais, que ultrapassem o velho paradigma da contabilidade dos meios de combate envolvidos em cada fase Charlie ou outra qualquer designação técnica, para consumo imediato e paliativo, numa televisão perto de si.