Também conhecida por “loja” ou “tasca”, era o local de sociabilização do pescador quando estava em terra. A do “Carriço”, da “Curraca” ou da Tilde, o “Coxo da Faena”, a “Raspa”, o “Pinga”, o “Alberto da Linha”, o “Tonica”, os “Tirones” ou o “Caça-Brava” que antes era o “Russo”, o “Repimpim”, mais tarde a “Santola” no largo da “Rasga”, são algumas das tabernas da zona do Portinho ancorense que existiram ou ainda existem na actualidade.
A maioria das tabernas eram pequenas lojas de aspecto simples e humilde, tal como os seus clientes, onde se vendiam poucos produtos, vinho tinto e branco, aguardente, ginja e o tabaco. Para além destes havia bolachas, figos, azeitonas, chocolate e por altura das festas alguns petiscos.
O arranjo da loja era simples e o peteiro da Santa (Senhora da Bonança) ocupava um dos cantos. Podia haver uma pequena prateleira (ou nicho) com uma imagem religiosa e uma pequena lamparina de azeite. Na parede do fundo, por trás do balcão, sobre as prateleiras, encontravam-se os artigos para venda. Ao lado do balcão, os dois pipos de vinho; numa prateleira próxima, as canecas, malgas, medidas para o vinho, o funil e os copos da aguardente, da ginja e do “traçadinho”, uma mistura de aguardente e anis.
No exterior do balcão, as paredes estavam decoradas com um programa das festas da Senhora da Bonança, um calendário e pequenos avisos, como a lista dos nomes da mordomia para a festa da Padroeira ou do Senhor dos Aflitos. Podia encontrar-se ainda algum apetrecho de pesca pendurado, pertença do proprietário da taberna, também ele, muitas vezes, pescador. A um canto eram arrumadas redes e cortiças. No exterior do balcão, as mesas e bancos toscamente executados, onde os clientes se sentavam a beber, a conversar ou a jogar às cartas.
No exterior da taberna, um galho de loureiro preso à parede, anunciava que aquele era um local de venda de vinho.
A porta da taberna tinha um postigo que servia para entrar a luz exterior. Se era insuficiente, utilizavam uma mecha de pano e algodão torcido, envolvida em óleo de resíduos de peixe a que davam o nome de “graixa”, vertida numa candeia metálica bastante primitiva. Mais tarde, estas candeias foram substituídas pelos candeeiros a petróleo.
Por meados do século XX algumas lojas diversificaram o negócio, passando a comercializar artigos de mercearia, embora num espaço separado da taberna.
Era na taberna que o pescador ancorense convivia, vendo passar os dias chuvosos, lamentando a invernia que era longa e lhes trazia miséria, obrigando-os a irem à lenha para vender, pedirem emprestado aos mais remediados e até calcorrearem os lugares e freguesias rurais pedindo esmola e comida nas casas dos lavradores.
A maior parte do tempo, o pescador bebia a crédito, que liquidava quando fazia as contas da maré. O proprietário da loja mantinha um livro de fiados, que nos tempos mais antigos identificava o devedor com a sua marca e os débitos com outros símbolos que representavam quantidades de dinheiro, vinténs, tostões ou coroas. Quando podia liquidar a dívida, o pescador dava-se ao “luxo” de comer meia dúzia de figos, um punhado de azeitonas ou outra iguaria disponível na loja. Facilmente se cometiam exageros e não raras vezes o pescador saía da taberna com “um copo a mais”.
Quando o mar permitia, a pesca abundava e o dinheiro não faltava, lá iam beber a malga de vinho com outra disposição, conversar sobre aventuras passadas, sobre a última pesca ou dos planos futuros.
O pescador frequentava a taberna logo de manhã para “matar o bicho” com aguardente ou traçadinho, que na ausência de comida lhe dava força e coragem para vencer as dificuldades da faina. Alturas houve em que, por proibição das autoridades, o taberneiro vendia a aguardente às escondidas, na areia, junto aos barcos.
As tascas do Portinho eram, amiúde, local de encontro de tocadores de concertina, viola ou guitarra que pertenciam à comunidade ou de alguma freguesia próxima. A sua presença nestes locais fazia correr a bebida e dava lugar a cantorias.
A vida do pescador ancorense era dura e bastante isolada, não só pela delimitação do seu território (para baixo da linha do caminho de ferro), mas também por razões de ordem sócio-cultural. Por isso mesmo, frequentemente, não era bem entendida a permanência do pescador na taberna por parte da restante comunidade de Gontinhães. O Jornal da Manhã, do Porto, publicava a 6 de Dezembro de 1885, pela pena do correspondente na Praia d’Âncora:
“Os pescadores estão a atravessar uma quadra bastante penosa, porque houve muito pouca pescaria no verão, e agora não há nenhuma.
Entretanto, esta classe tão imprevidente, como amiga de beber, não deixa, ainda assim, de frequentar as suas “capellas”, as tabernas, onde gasta o que tem e o que não tem”.
Esta era a forma como a comunidade rural e a burguesia recentemente instalada na Lagarteira, onde construíram as suas casas para comércio ou serviços, assim como habitações de férias, se referiam à classe piscatória e à sua forma ímpar de viver.