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Mar 20

Ciclicamente, despontavam surtos de doença que provocavam picos de mortalidade na região. Quando atingia o estatuto de epidemia, afectava principalmente os grupos populacionais mais frágeis e desfavorecidos, como o da Lagarteira, que trabalhavam e viviam em condições de segurança e de higiene mais precárias.

No século XIV a peste negra que varreu a Europa dizimando cerca de 30% da população talvez tenha sido a epidemia mais mortífera, mas outras se seguiram quer no século XVII com diversos surtos de tifo, quer no século XIX com os surtos de cólera que começaram por 1833 e se prolongaram até 1852, resultaram em falta de mão-de-obra, levando à escassez de cereais e ao aumento exponencial do preço destes, decorrendo situações de fome e pobreza, agravando as precárias condições de higiene e subnutrição.

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Em 1895 uma epidemia de varíola varre Gontinhães, sendo 60,9% dos óbitos registados na zona litoral da freguesia. Especialmente nos meses mais quentes, as epidemias de varíola e tifo ou difteria, atribuídas aos “maus cheiros” dos estrumes do patêlo, que por ali se costumava empregar como estrume, pelo que as autoridades administrativas ordenaram que este estrume depois de colhido no mar seja imediatamente enterrado a um palmo de profundidade (Rego, 2012).

O correspondente local de “O Jornal da Manhã” refere na sua crónica sobre Gontinhães:

nesta freguesia há muito a fazer, particularmente no porto de pesca, e nas casas de alguns lavradores que, nada cuidadosos da sua saúde, têm as cortes dos gados vacum e suíno juntas ou por baixo dos aposentos em que habitam e dormem

Como os cadáveres eram inumados no átrio da Igreja e este já estivesse sobrelotado, o Governo Civil de Viana do Castelo exige à Administração da Câmara de Caminha que proceda de imediato à aquisição dos terrenos necessários à construção do cemitério. Esta delibera rapidamente e por unanimidade na compra 886 m2, mas será a Junta de Paróquia  de Gontinhães a efectuar empréstimos e a lançar derramas para custear a obra, que se concluirá em 1897.

Apesar de alguns surtos epidémicos de média dimensão no século XX, é a epidemia de gripe espanhola ou pneumónica que vai marcar profundamente a sociedade portuguesa. Este surto de pneumónica ter-se-á iniciado junto das tropas aliadas no final do conflito mundial de 1914-1918 e rapidamente se espalhado por todo o Globo com a desmobilização dos militares.

Embora estejam registados cerca de 8.000 óbitos no Distrito de Viana do Castelo, é provável que o número real de mortes seja perto do dobro do registado e o número de contágios em Gontinhães, incidia maioritariamente em residentes do Lugar da Lagarteira.

A partir do dia 4 de outubro de 1918 surgiram inúmeros casos de marinheiros, grumetes, marítimos, remadores, fogueiros e barqueiros infectados. Fica claro que estes indivíduos, ligados à atividade marítima, contaminaram os restantes elementos das respetivas famílias, surgindo posteriormente casos de internamentos de peixeiras, criadas, jornaleiras e domésticas.

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Assim, parece-nos evidente que esta primeira vaga de pneumónica teve origem, quer ao nível do concelho quer ao nível da paróquia, junto das comunidades marítimas, através de uma constante comunicabilidade com parceiros económicos portuários, em particular de origem galega, apesar de oficialmente estar encerrada a fronteira com Espanha.

A expansão da gripe, reportada pelo Provedor da Misericórdia, iniciou-se nas paróquias que mantinham maior contato com a raia fronteiriça e litoral (Caminha, Gontinhães, Seixas, Moledo, Cristelo), tendo alastrado posteriormente para o interior do concelho.

Esta epidemia acabou por se propagar a outros setores da população, de tal modo que, afetando as demais atividades económicas, se repercutiu no volume da mão-de-obra, em particular afeta à produção agrícola. (Rego, 2012)

publicado por Brito Ribeiro às 12:25
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Ainda o Vale do Minho não se tinha refeito da epidemia de cólera que levou em 1885 ao fecho da fronteira, quando rebentou em todo o mundo outro vírus tão ou mais perigoso do que aquele que grassara 30 anos antes.

Estávamos em 1918 e acabara a Grande Guerra. A pneumónica, também conhecida como gripe espanhola, estava a ceifar vidas aos milhares por onde passava.

O contágio disseminou-se com a desmobilização das tropas na Europa e rapidamente alastrou até Portugal, com particular incidência no norte.

A doença varreu o país a uma grande velocidade, tanto assim que a falta de caixões para os funerais foi um dos resultados imediatos, o que fazia que muitas famílias os comprassem por antecipação e guardassem debaixo das camas onde os seus membros agonizavam”, escreveu o Diário de Notícias num artigo em 2018, no ano em que passaram 100 anos sobre este flagelo.

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As deploráveis condições de vida, agravadas pelos efeitos da I Grande Guerra, facilitaram a rápida propagação da gripe, a par de outros fatores, como o desconhecimento da assepsia, o acesso limitado a fármacos ou a inexistência de antibióticos” (Alexandra Esteves - O Impacto da Gripe Pneumónica em alguns concelhos do Alto Minho).

O vírus entrou no Vale do Minho e as autoridades decidiram encerrar a ponte de Valença. Porém foi Vila Nova de Cerveira a sofrer as primeiras vítimas em Outubro de 1918.

Em Gontinhães, o cenário continuava preocupante; em Monção, as vítimas eram às centenas; na freguesia de Lanhelas, concelho de Caminha, os doentes eram mais de 150; na capital do distrito, o panorama parecia mais animador, permitindo, inclusive, a reabertura das igrejas”, refere a investigadora.

O mês seguinte foi fatídico para Valença. A epidemia continuava a grassar com intensidade. Do outro lado do rio Minho, na Galiza, contavam-se 8.000 infetados e as comunicações entre os dois países continuavam suspensas.

Imediatamente após as primeiras mortes ocorridas em Monção, foram lançadas medidas para conter o seu alastramento, que passavam pelos cuidados com a higiene pessoal e o asseio da casa e pela recomendação de recorrer a apoio médico logo que surgissem os primeiros sintomas. Só que a realidade era bem mais negra que as simples recomendações vindas de Lisboa.

Em finais de 1918, faltava praticamente tudo em Monção, desde bens essenciais como arroz, açúcar, carvão, azeite e petróleo, bem como apoio médico e sanitário.

Em outubro de 1918, o cenário no Município de Melgaço ia de mal a pior. Valter Alves, conta no seu Blog Melgaço: Entre o Minho e a Serra, que o jornal A Gazeta do Lima noticiou nessa altura que no concelho “as cousas se encontravam n’um estado pavoroso, pois até os enfermeiros da Misericórdia tinham fugido abandonando os doentes, foi uma columna da delegação da Cruz Vermelha d’esta cidade para fazer serviço n’um hospital de campanha que se instalou na casa da Escola”.

A maior parte das pessoas doentes da vila recusava ir para o Hospital da Misericórdia. “Nota-se neste concelho uma grande repugnância que não tem razão de ser. É a repugnância que muitos doentes sentem em ir para o hospital e essa repugnância vem de se dizer que lá só dão aos doentes leite e caldo e alguns querem presunto no Inverno e salada no Verão”, noticiou o Jornal de Melgaço em novembro desse ano.

Em Caminha, no Hospital de Nª Srª da Visitação, a tragédia não é menor. “As carências de toda a ordem que atormentavam o seu quotidiano expunham os pacientes a todo o género de enfermidades, nomeadamente do foro dermatológico e respiratório”, descreve a investigadora Alexandra Esteves.

Nas enfermarias, proliferava gente ligada ao campo e à faina no mar. Um “elevado número de marinheiros, pescadores, barqueiros e remadores hospitalizados. Os militares foram igualmente atacados pela pneumónica, obrigando ao internando de cinco soldados”.

Implacável, a pneumónica avançava em Valença, que sem fugir à regra, preferia os mais jovens. Cerdal, Taião, Friestas, Gondomil e Boivão estavam entre as freguesias mais afetadas.

Com a doença a alastrar, o Município implementa várias medidas: “ruas e casas foram lavadas; fizeram-se defumações; quinino, sinapismos e folhas de tília foram distribuídos pelos empregados da linha férrea do Minho; a equipa médica foi reforçada com dois médicos. O administrador do concelho apelava à solidariedade dos valencianos para que ajudassem as famílias pobres atingidas pela epidemia”.

Mas no Hospital Civil o cenário era desolador. Faltavam profissionais de saúde, medicamentos e diversos produtos associados à composição de mezinhas. As orações passavam a ser o único recurso que não escasseava.

A pneumónica fez as primeiras vítimas em Vila Nova de Cerveira, mas um mês passado o quadro era menos grave que nos concelhos vizinhos.

Como se já não bastassem os acessos difíceis, Paredes de Coura tinha em outubro de 1918 o hospital superlotado, chegando a receber mais de 40 pacientes, excedendo a sua capacidade. Tratava-se de uma instituição relativamente recente, datada da década de 80 do século XIX. A doença teve ainda mais impacto “nas zonas rurais, mais isoladas, onde a ajuda médica dificilmente chegava e as recomendações sanitárias não eram escutadas”.

A Gripe de 1918 frequentemente citada como Gripe Espanhola foi uma pandemia que atingiu quase todo o planeta. Foi causada por uma estirpe do vírus Influenza, no subtipo H1N1. Estima-se que tenha causado perto de 100 milhões de mortos em todo o mundo.

publicado por Brito Ribeiro às 11:39
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