Este conjunto de sete posts sobre o início da comunidade piscatória de Vila Praia de Âncora procura esclarecer algumas dúvidas designadamente, sobre a construção do portinho e a sua evolução ao longo dos séculos XIX e XX.
O texto foi retirado e adaptado do livro "A Masseira Ancorense" que eu próprio e o amigo Celestino Ribeiro escrevemos em 2015.
O longo areal entre o Moureiro e Penedim (afloramento rochoso no Lugar da Gelfa), tal como a bacia natural bem abrigada por entre penedos, eram condições propícias às incursões de piratas e corsários do norte e da pirataria berbere vinda do norte de África.
Por isso, a povoação de Gontinhães, que a partir de 1924 passou a designar-se Vila Praia de Âncora, cresceu afastada do mar e destes perigos, sem nunca deixar de explorar os benefícios que dele podia extrair.
Sazonalmente, durante os meses de verão, faziam a apanha de algas para fertilizaram as terras e o peixe que nas trancadas (armadilha que consiste em estender uma rede transversal ao curso do rio para capturar o peixe que sobe ou desce para o mar) do rio ou nas camboas (recinto vedado com pedras soltas, entre a linha de praia-mar e baixa-mar, onde se apanham os peixes que ali ficam presos com a descida da maré) logravam capturar.
A pretexto da Guerra da Restauração (1640-1668) e porque esta costa era frequentemente fustigada pelas incursões de piratas, foram construídos no final do século XVII um conjunto de fortificações no Norte de Portugal, designadamente o Forte do Cão e o Forte da Lagarteira, junto à referida bacia natural. Com o problema da segurança resolvido, Gontinhães vai progressivamente descer dos montes, mas a actividade marítima parece não ter sido desenvolvida pelos seus habitantes.
Do lado sul do Forte da Lagarteira é identificável uma pequena reentrância entre a penedia que inflecte para sueste a partir do seu ponto mais proeminente, a Ponta das Medas, e os afloramentos rochosos do Moureiro a desvanecer para dar lugar à zona arenosa que se estende até Penedim, no outro extremo da enseada, onde a costa retoma novamente a característica rochosa até às praias de Afife.
Refere o Abade de Gontinhães em 1758 (Inquirições de 1758),
“nesta freguesia há um Porto de Mar por natureza, aonde chamam o Porto de Âncora no sítio do lugar da Lagarteira, pelo qual entram somente barcos de pescadores, e algumas lanchas de Galiza e Caminha, principalmente nos meses de verão, ou estando o Mar sereno”.
Nesta reentrância destacam-se em pormenor a característica rochosa do leito, às vezes parcialmente assoreado, a proeminência do lado norte da Pedra Fanequeira e mais a poente desta, o baixio do Lira semi-submerso.
O varadouro é arenoso a partir da linha de meia maré. Na zona envolvente do varadouro são já visíveis as primeiras construções, umas simples instalações onde se guardam alfaias e o sargaço, aqui abundante, depois de seco. Esta actividade de recolha, secagem sobre a penedia e armazenamento do sargaço, é exercida pelos lavradores da freguesia, que são os proprietários das instalações e das parcelas de terreno anexas.
Por esta altura encontram-se aqui, junto às pequenas instalações do sargaço, três ou quatro barcos de pesca propriedade de lavradores da freguesia que, na acalmia dos meses de verão pescam para consumo e eram utilizadas na recolha do sargaço que arrancavam na baixa-mar com a ajuda de foices. Tratava-se, talvez, de pequenos caíques, tripulados por um ou dois homens.
A reentrância que vai dar origem ao Portinho é assinalada numa carta da costa portuguesa de 1753 com a seguinte descrição:
“Segue-se a costa mais áspera até ao rio Âncora, em recifes de pedras. Junto deste rio, por entre penedos, há uma entrada de braça de fundo, amparado do tempo, onde se recolhem muitos barcos portugueses e galegos.“ (Peixoto, 2001)
Esta é uma confirmação do carácter sazonal da actividade piscatória e que era desenvolvida por gentes estranhas à comunidade local, que ficavam por alguns dias ou semanas acantonados precariamente em cobertos ou mesmo no aconchego possível dos barcos varados na areia.
Um manuscrito de 1818, assinado por “Presa”, refere-se a esta reentrância chamando-lhe “Portinho de Âncora, guarnecido com um bom castelo”. E faz alusão à actividade piscatória desenvolvida dizendo que “Corre aqui muito dinheiro todos os anos e por isso lhe chamam “porto do ouro”.