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Dez 17

A Confraria da Senhora da Bonança tem origem em Carreço em data indeterminada, regendo-se desde 1727 por Estatutos aprovados a 22 de Novembro, pelo Arcebispo de Braga D. Rodrigo de Moura Teles.

Sabe-se que estes novos estatutos vieram substituir outros mais antigos que eram “supérfluos em alguas couzas e em muitas deminutos”, conforme se pode ler no 1º acórdão do “Livros dos acordos da Irmandade da Senhora da Bonança, da freguesia de Carreço”.

A mesa era constituída por um juiz, um escrivão, um procurador, um tesoureiro e oito mordomos, sendo dois por cada lugar da freguesia. A função de tesoureiro era da maior importância pois cabia-lhe zelar pelo património, desde o arrolamento dos bens doados até ao abate dos bens deteriorados, além das tarefas próprias de tesouraria como gerir o “dinheiro a juro”. Não tinha porém autonomia para receber, vender ou destruir bens, ficando-se pela elaboração do rol desses bens e apresenta-los à mesa da confraria. Igualmente competia-lhe manter as alfaias do culto em condições, fornecer a cera para as missas e funerais, levar a cruz no funeral de algum “irmão”, sob pena, nã cumprindo estas obrigações de pagar uma multa em dinheiro. O tesoureiro tinha também a incumbência de liquidar os anuais e não podia emprestar dinheiro sem licença da mesa ou na ausência do pároco, bem como admitir, por sua conta, novos irmãos, algo que seria usual antes da aprovação dos estatutos de 1727.

Igreja de Carreço (2).JPG

Visto que a freguesia se dividia em quatro populosos lugares, Troviscoso, Carreço, Montedor e Paçô, prestando cada um dos mordomos durante o ano, mês e meio de serviço efectivo, sendo sua obrigação:

  • Acender duas velas no altar da Senhora da Bonança aos domingos e dias santos durante a missa conventual à qual eram obrigados a assistir junto ao altar da Senhora com as opas vestidas;
  • Participar nas reuniões da Confraria;
  • Fazer o peditório aos domingos na igreja;
  • Pedir esmola pelos lugares no S. Miguel;
  • Acompanhar os irmãos falecidos no seu funeral com as opas vestidas e velas acesas;
  • Acompanhar os defuntos que não sendo membros da confraria, manifestassem vontade de ter o funeral como se o fossem;
  • Limpar os castiçais e manter asseado o altar;
  • Os mordomos do lugar eram obrigados a acompanhar o funeral dos descendentes de um irmão, desde que menor de catorze anos;

A Confraria tinha também influência na vizinha freguesia de Afife, que contava com um tesoureiro que prestava contas à mesa e entregava os montantes recebidos ao tesoureiro da Confraria.

Embora não fizessem parte da mesa, os párocos locais podiam assistir à eleição e confirmar os votos dos membros da mesa; o capelão deveria ser prioritariamente o coadjutor da freguesia, a quem cabia dizer as missas da capela, zelar pelo altar e informar a mesa das faltas que eventualmente os mordomos cometessem.

Pelo rol dos irmãos verifica-se que muitos residiam em Viana, Areosa, Afife e Gontinhães, chegando alguns deles, designadamente padres, a ocupar cargos de chefia na confraria.

A confraria tinha obrigações a cumprir em favor de irmãos falecidos e em relação ao culto que devia prestar à Senhora da Bonança.

Cada irmão que falecia tinha direito a doze missas, acompanhamento dos mordomos com as velas acesas e opas vestidas. Os mordomos faltosos pagavam de multa cinquenta reis.

A obrigação de culto estava voltada praticamente para a festa que se realizava no segundo domingo de Maio, com vésperas cantadas, missa, sermão e procissão no fim da missa à volta da igreja.

A mesa da Confraria era eleita no dia da festa da Senhora da Bonança e tinham de estar presentes todos ao elementos da mesa cessante. Se faltasse algum recorria-se a quem já tivesse feito parte da mesma e recomendava-se precaução para que fossem escolhidas “pessoas capazes e que dellas se espere serem zelosas pera a Confraria”.

Dois meses depois da eleição reunia-se a mesa para tomar conhecimento da situação da Confraria, o tesoureiro cessante apresentava contas escrituradas no livro respectivo, que era depois assinado por todos. No período entre a festa e o mês de Julho, o tesoureiro esforçava-se por cobrar todas as importância devidas, nomeadamente os anuais, sob pena de ser ele a repor o dinheiro em falta. No mês de Agosto reunia-se novamente a mesa para que os mordomos prestassem contas e entregavam a chave do “caixão” da cera aos novos mordomos. A mesa reunia obrigatoriamente no mês de Novembro e em Maio, para preparar a festa que se avizinhava. Não obstante esta obrigação, reuniam as vezes que entendessem necessário. Estas reuniões só tinham validade se estivessem presentes sete ou oito pessoas. Porém, os mordomos por si só não constituíam quórum, porque era necessária a presença do juiz, do escrivão e do procurador. Na falta do juiz, este era substituído pelo escrivão. O pároco devia também assistir às reuniões, esclarecendo as dúvidas surgidas e tinha tal como os demais direito a voto

A Confraria possuía um conjunto de livros onde era plasmada a vida da mesma. Apenas o escrivão os podia escriturar e só em reunião da mesa os outros elementos assinavam os documentos (actas, contractos, escrituras, inventários, contas, etc.). Os livros estavam permanentemente fechados, sendo confiadas as chaves ao tesoureiro, que por necessidade e inerência de funções, tinha em sua posse o livro dos contractos e dos anuais.

Uma das fontes de rendimento, além das cotas dos irmãos, aqui designadas por “anuais”, esmolas, peditório na missa e multas, era o empréstimo de dinheiro a juro de 5%, não podendo ser emprestado à mesma pessoa mais do que cinco mil reis.

Os “anuais” variavam conforme a idade dos candidatos a “irmão”. Quanto mais velho mais pagava por “se deixarem andar tanto sem se meter por Irmãos desta Santa Confraria”.

A devoção à Senhora da Bonança ainda que muito antiga tem a ver com o mar e os pescadores. A freguesia de Carreço tinha uma comunidade piscatória reconhecida, que nos meses de verão retirava sustento do que o mar lhes oferecia, dedicando-se à lavoura nos restantes meses do ano. Por isso se construíram barracos de aprestos e um portinho no Lumiar, bem como barracos nos lugares de Paçô e Fonte da Vila.

Também nestas enseadas naturais, durante os meses de verão, atracavam os pescadores da Lagarteira, descarregando peixe que era vendido em Carreço. Areosa e Afife.

E assim começou a devoção dos pescadores ancorenses ao culto da Senhora da Bonança. Igualmente os pescadores de Viana manifestavam devoção à Santa, sendo usual as mulheres da Ribeira de Viana, por motivo de temporal ou de naufrágio, peregrinavam a pé, com traje escuro e vela acesa na mão, pedir à Senhora da Bonança a calma das águas e dos ventos, assim como agradecer graças recebidas.

Em Vila Praia de Âncora, ou melhor no Lugar da Lagarteira da freguesia de Gontinhães, à falta de uma padroeira dos pescadores, o culto teve origem na Senhora das Necessidades, com capela erguida em 1760 pelo abade Gonçalo Pinto Medeiros de Carvalho.

SIPAImage.jpg

Por volta de 1889, essa pequena capela é demolida e no mesmo local é erguida uma capela mais ampla, ainda dedicada à Senhora das Necessidades e mais tarde à Senhora da Bonança, pois o culto crescia continuamente, ao contrário de Carreço, onde a Confraria entra em declínio e o culto esmorece. Sem qualquer oposição dos habitantes de Carreço, o culto à Senhora da Bonança passa para a nova capela de Gontinhães com festividade marcada para o segundo domingo de Setembro, ao contrário da festividade em honra da Senhora das Necessidades, que se realizava na segunda-feira de Pascoela. Esta festividade realizou-se até aos anos sessenta do século passado, quando em consequência da reforma do calendário religioso saído do Concílio Vaticano II, caiu em desuso, extinguindo-se a festividade.

SIPAImage (1).jpg

A festa da Senhora da Bonança começou a realizar-se em Gontinhães no ano de 1882 e poucos anos depois era já um marco nas romarias do Alto Minho. Em 1893 um grupo de pescadores ofereceu o altar de Nossa Senhora da Bonança.

Em Carreço resta o altar barroco da Senhora da Bonança do século XVIII, com uma imagem moderna, bem proporcionada, que sai anualmente para integrar a procissão da Senhora da Graça, levada aos ombros pelos poucos pescadores que restam na freguesia.

Sobre a festividade da Senhora da Bonança pode consultar este post. http://vilapraiadeancora.blogs.sapo.pt/origem-da-festa-da-senhora-da-bonanca-116362 

publicado por Brito Ribeiro às 11:44
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