A odisseia do Porto de Mar de Vila Praia de Âncora no que toca a assoreamentos e consequentes dragagens é digna de uma reflexão séria. Lamentavelmente, esta reflexão não está feita e provavelmente nem sequer interessa à classe política, mais interessada em usar como arma de arremesso a paternidade da obra e o enjeitamento da culpa, nos erros de concepção do projecto.
Há uns meses a esta data, tomei conhecimento de um trabalho científico que aborda a questão da transposição de sedimentos em portos e outras embocaduras. É uma tese de mestrado (2008) da autoria de João Pedro Torres Pinheiro, Mestre em Engenharia Civil, especializado em Hidráulica, Recursos Hídricos e Ambiente. Neste trabalho há uma apreciação geral da problemática das embocaduras de portos, transporte sedimentar litoral e erosão costeira associada, estudando-se potencialidades da aplicação de sistemas de transposição artificial.
Foram estudados casos internacionais de sistemas de transposição artificial em termos do seu sucesso, das suas características técnicas, equipamento, potencialidades, limitações, custos e problemas associados. No objectivo final, o autor propõe possíveis soluções, baseadas em sistemas de transposição artificial, a casos portugueses, em concreto: Barra da Figueira da Foz, Praia da Aguda, Costa da Caparica, Barra de Aveiro e Vila Praia de Âncora.
É obvio que não posso aqui e agora, reproduzir ou mesmo resumir o estudo vertente, nem tenho competências para tal tarefa, mas de forma telegráfica dizer que o cerne da questão baseia-se num sistema de bombagem, geralmente automático, amovível, colocado no ponto de entrada/deposição dos sedimentos, que trabalhando algumas horas por dia, retira os sedimentos enviando-os através de um emissário para o local de recarga, seja em terra, seja no mar.
Este método que ainda não foi aplicado (tanto quanto sei) em Portugal, tem sido desenvolvido e aplicado com sucesso em países como os EUA ou a Austrália.
Acrescento também, que o estudo referido foi coordenado pelos Professores Doutores Fernando Veloso Gomes e Francisco Taveira Pinto da Universidade de Engenharia do Porto. Veloso Gomes é uma reconhecida autoridade internacional em dinâmica costeira e no conjunto, estes docentes garantem a credibilidade da análise e das soluções propostas no estudo.
Então o caso do assoreamento do Porto de Vila Praia de Âncora já foi objecto de um estudo científico e (aparentemente) ninguém sabe disso? Um estudo que aponta para uma solução de minimização do assoreamento e de combate à erosão da praia não é divulgado, nem discutido publicamente, acabando no fundo da gaveta do esquecimento. Porque não realizar um grande debate, envolvendo o autor do estudo e seus coordenadores, as autarquias, o IPTM, a Comunidade Intermunicipal do Alto Minho, associações representativas e sociedade civil, para esclarecer sobre o potencial destes métodos e a sua aplicabilidade ao caso local?
Os custos apresentados para o caso de Vila Praia de Âncora apontam para valores de instalação entre os 44 mil euros e os 72 mil euros, dependendo do tipo de bomba aplicada. Estes valores, obtidos ao ano de 2008, já compreendem a manutenção programada e o consumo de energia. Os custos de utilização nos anos seguintes rondariam os dois mil euros/ano.
Das duas, uma; ou isto é o ovo de Colombo ou a razão para o silêncio é mais que suspeita. O negócio das dragagens é um verdadeiro cancro para os recursos do Estado e é frequente estarem envolvidos em polémica e suspeição.
O recente caso da dragagem do porto de Mar de Vila Praia de Âncora espelha aquilo que acabei de dizer, pois o trabalho ficou a meio, o porto continua assoreado, sem condições de utilização na baixa-mar. Será que foram controladas as quantidades de inertes retirados? Será que as quantidades adjudicadas na empreitada tinham alguma correspondência com a realidade ou foram pura e simplesmente apontadas por conveniência? Fica a dúvida, levanta-se a suspeita.
Este método minimiza o assoreamento, não resolve os problemas estruturais decorrentes da má concepção do porto, mas a fazer fé no estudo apresentado, poderá reduzir para um sexto as consequências da transposição natural dos sedimentos.
Em termos práticos, podemos estar a falar da necessidade de fazer uma dragagem por década, em vez das dragagens de três em três anos, que nada resolvem e que apenas enchem os bolsos a meia dúzia.