Vamos então recuar no tempo, vamos tentar imaginar e procurar visualizar épocas remotas, perdidas já na memória, para podermos entender tudo o que se passou desde o princípio até aos dias de hoje na Serra d’ Arga, tomando como exemplo estas povoações que constituem “As Argas”.
No IV milénio a.C. (ou seja há cerca de 6 mil anos atrás), as comunidades humanas megalíticas implantaram-se nas suas encostas, entre os 200 e 400 metros de altitude. Por isso encontramos alguns dólmenes nas freguesias vizinhas. Estas primeiras populações viviam da agricultura itinerante, abrindo clareiras com o auxílio do fogo, promovendo assim, sucessivas queimadas. Recolhiam frutos silvestres e viviam da caça e pesca.
A Serra d’ Arga desta época era muito diferente do que é hoje, encontrando-se coberta da chamada floresta primitiva que cobria Portugal de Norte a Sul, onde a Norte do rio Tejo abundavam os extensos carvalhais.
Na Idade do Ferro, surgem os primeiros povoados de carácter defensivos – os Castros. Entre estas comunidades castrejas destacam-se os Celtas que já possuíam uma estrutura social, com chefes e geralmente, ocupavam os altos dos pequenos montes (por exemplo o Alto da Coroa em Arga de S. João, o Monte de St.ª Luzia em Viana do Castelo). Estes povos viviam sobretudo da actividade pastoril e da caça.
Com as invasões romanas dá-se a primeira grande transformação da paisagem da Serra, uma vez que inicia-se a desflorestação das áreas baixas, junto aos principais rios (Minho, Lima, Coura e Âncora) e onde se encontram os solos mais férteis para a produção de cereais como o centeio e o milho-miúdo ou milho-painço, igualmente plantava-se o linho, couves, pomares e vinhedos. É por isso que as populações de então, começam a ocupar os solos junto aos rios e aos seus terrenos agrícolas.
Já mais tarde, na chamada Idade Média, as populações concentram-se e formam núcleos populacionais em redor das povoações fortificadas, tais como Caminha, Ponte de Lima, Viana do Castelo e Vila Nova de Cerveira, etc, de forma a estarem protegidas de invasores.
Estas populações medievais trabalhavam as terras férteis dos senhores feudais e do clero, junto dos principais rios e dedicavam-se à pastorícia entre os limites das terras aráveis e a meia encosta, ficando o restante da Serra, ainda coberta da floresta primitiva, reservada à nobreza para caça ao corço, ao cervo, ao urso e ao javali.
Nesta altura, na Serra d’ Arga abundavam os lobos e não existia qualquer núcleo humano. Apenas existia o pequeno mosteiro de S. João d’ Arga que vivia do apoio dado pela freguesia de Covas. As “Argas” não existiam nesta época.
Com os Descobrimentos, nos finais do século XV e inícios do século XVI, Caminha era um importante porto que concorria com Viana do Castelo. De ambos portos saíam produtos do Alto Minho (por exemplo o vinho verde) com destino às chamas Índias e entravam diversos produtos oriundos de África, da Ásia e da América.
Foi do continente Sul Americano que veio um produto agrícola que provocou a grande transformação da Serra d’ Arga, da nossa região e do nosso país – o Milho.
Foi com a introdução do Milho e do feijão, e posteriormente da batata que se iniciou a ocupação da Serra, pois aquelas terras inicialmente utilizadas para pastagens, foram ocupadas com estes novos produtos agrícolas, obrigando a conquistar à Serra novas áreas de pastagem.
Com a melhoria da alimentação humana e do gado, dá-se um forte crescimento demográfico e a consequente necessidade de incrementar a produção agrícola para sustento das populações. Surgindo assim, novos povoamentos que cultivam as terras ocupadas anteriormente por pastagens e provoca-se a desflorestação da Serra para albergar as novas pastagens e intensifica-se o pastoreio.
Igualmente, ocorre a necessidade de madeira de carvalho para abastecer os estaleiros de S. Bento, em Viana do Castelo, para a construção das naus (sendo necessários 4000 a 6000 carvalhos para cada nau).
Tudo isto provocou uma grande alteração na paisagem e no meio natural. Implantando-se assim, novos núcleos populacionais a maiores altitudes, surgindo deste modo as “Argas”, cuja origem terá sido nos movimentos pastoris provenientes do concelho de Arcos de Valdevez, tal como se comprova em documentos históricos.
Daí que as primeiras referências às freguesias de Arga de S. João, Arga de Baixo e de Arga de Cima, surjam apenas em meados do século XVI.
A intensificação do pastoreio, as queimadas sucessivas, o abate de árvores para a construção das embarcações e a ocupação humana da serra com a implantação fixa de povoações, contribuíram para nos princípios do século XX, a Serra d’ Arga se apresentasse praticamente despida de vegetação arbórea, tendo completamente desaparecido o bosque primitivo, emergindo apenas do solo o mato rasteiro, necessário para a alimentação dos gados de caprinos e de bovinos (raça barrosã).
Nesta época os rebanhos eram constituídos por mais de 5 mil cabeças de cabras que apascentavam em toda esta Serra. O espaço florestal, conhecido por baldio era gerido pelas populações.
Contudo, em virtude desta situação alarmante de desflorestação intensiva, a qual se vivia de igual forma a todo o norte do rio Tejo, surge em 1940, pela mão do Estado Novo, o Plano de Povoamento Florestal, o qual retira a gestão dos terrenos baldios às populações para entregar à recém criada Junta de Colonização Interna, a qual irá gerir os montes e os trabalhos de florestação até 1974.
Esta política florestal foi a responsável pelo povoamento florestal da Serra d’ Arga com monoculturas de pinheiro-bravo, pela abertura de caminhos e pela aplicação de medidas repressivas sobre o pastoreio, o que conduziu ao abandono da actividade pastoril, pois foi proibido o pastoreio nas extensas áreas florestadas e o corte de matos.
Isto provocou o despovoamento das “Argas”, cuja população viu-se obrigada a partir, principalmente para Lisboa, para trabalhar como carvoeiros, no comércio e restaurantes. Aqueles que não saíram entre as décadas de 40 e 70, subsistiam trabalhando para os Serviços Florestais na limpeza e florestação do monte e nas indústrias mineiras de exploração de volfrâmio (para o fabrico de armamento para a II Guerra Mundial e mais tarde para a Guerra Colonial).
Após o 25 de Abril de 1974, entrega-se novamente a gestão dos baldios às populações, mas um sentimento de revolta ou a necessidade criar novas áreas de pastagem levou a que na década de 80, deflagrassem intensos incêndios florestais que dizimaram as extensas massas de monocultura do pinheiro-bravo.
Só que já não existiam os grandes rebanhos de cabras nem jovens que os acompanhassem, logo a paisagem da Serra d’ Arga ficou alterada para sempre.
Hoje, são alguns os idosos que apascentam pequenos rebanhos de ovelhas, pois a idade já não lhes permite acompanhar os enérgicos e inquietos rebanhos de cabras.
Serra d’ Arga foi durante milhares anos uma montanha “santa”, ou seja separada, entregue aos cuidados da natureza selvagem para mais tarde, os seus ricos recursos virem a ser o sustento do Homem.
As comunidades rurais de montanha souberam gerir esses recursos num ambiente duro e inóspito, trabalharam as suas encostas, abriram carreteiros e caminhos, fizeram equilibradas pontes para cruzar os seus inúmeros cursos de água, criaram campos cercados por muros de pedra solta, fizeram as suas habitações e os seus locais de culto.
Tudo isto, é hoje o património construído que, em conjunto com os recursos naturais da serra, constituem uma herança digna de conservar para as gerações vindouras. Esperemos que Homem de hoje saiba valorizar e gerir tão bem ou melhor que o Homem que povoou no passado a Serra d’ Arga.
Fonte: http://www.celtasdominho.org/