Ambiente, história, património, opinião, contos, pesca e humor

31
Dez 08

1971, Dezembro

 

Voltou a experimentar o foco, guardou-o no bolso exterior do anorak verde. Abriu devagar a porta do quarto e viu a claridade filtrada que vinha do quarto dos pais. Ouvia o pai a ressonar, a mãe ainda estava a ler, um velho hábito antes de apagar a luz para dormir.

Tinha de esperar até estar tudo sossegado, tornou a acender a luz do candeeiro, escolheu um livro entre a rima de almanaques Disney. Decidiu-se pelas aventuras do Mickey e do Pateta, sempre repetidas, sempre engraçadas.

Recostado na cama, pés sobre a colcha, os ponteiros do relógio na mesinha de cabeceira pareciam não querer avançar.

Passava da meia-noite quando finalmente se decidiu a sair do quarto. Pegou na machadinha que tinha escondida debaixo da cama e entalou-a entre o dorso e o cinto das calças. Tinha visto no cinema um gajo fazer isso e pareceu-lhe boa ideia imitá-lo.

Às escuras atravessou o corredor, entrou na cozinha e fechou a porta atrás de si. O gato roçou-lhe as pernas fazendo-o desequilibrar-se, tendo de se agarrar ao frigorífico. Pareceu-lhe ter feito um barulho enorme, susteve a respiração, ficou à escuta. Durante um tempo apenas ouvia o coração a bater e o pai a ressonar lá no quarto. O gato continuava a passar-lhe entre as pernas. Tinha ganas de lhe dar um piparote, mas conteve-se com receio do barulho que o felino provavelmente faria.

Como não houve reacção no quarto dos pais, avançou para a porta das traseiras. Rodou a chave lentamente, procurando abafar ao máximo o estalido da engrenagem. Esgueirou-se rapidamente enxotando o gato que se dispunha também a sair. Desceu as escadas até ao pátio do rés-do-chão, saltou a vedação e deixou-se escorregar pelo talude até à linha do caminho-de-ferro.

Chapinhou na água do rego que corria entre o talude e o cascalho, atravessou a linha e caminhou para sul pelo carreiro paralelo aos carris. Apesar do céu estar encoberto, não se atreveu a acender o foco que mantinha no bolso. Alguém dos prédios vizinhos podia ver a luz e interrogar-se sobre quem andaria na linha àquela hora.

De vez em quando pisava alguma pedra que o desequilibrava. Se alguém o visse pensaria que ia com os copos. A machadinha entalada no cinto incomodava-o, mas sentia-se confortável com as mãos nos bolsos do anorak. A noite tinha arrefecido muito e já se sentia a geada, que de manhã iria mostrar tudo branco.

Cruzou a passagem de nível e o apeadeiro contíguo de forma furtiva, após inspeccionar as redondezas. Ninguém à vista, agora mais descontraído e consciente da aventura nocturna, avançou até ao Pinhal da Gelfa.

Mas antes ainda tinha de atravessar a ponte metálica, uma relíquia Eiffeld. Aí acendeu a lanterna, não fosse o diabo tecê-las e ir parar à água gelada do Rio Âncora que corria lá em baixo.

No limite do pinhal não hesitou, caminhou decidido entre as árvores. Conhecia aquelas bandas perfeitamente e não teve qualquer dúvida em orientar-se, apesar de ter que se baixar várias vezes para passar ou contornar alguns obstáculos.

Uma coruja piava ali perto, certamente no alto de um dos pinheiros maiores. Estava a chegar à pequena clareira, precisava de virar à direita, em direcção ao mar e passar pelo pinheiro rachado.

Pouco depois parava arquejante, tinha vindo sempre a passo rápido e estava com calor. Desapertou o anorak e tirou a machadinha que lhe massacrava as costas. Nos filmes as coisas parecem sempre mais fáceis!

Virou o foco para um conjunto de pinheiros pequenos e fixou a luz naquele que tinha escolhido anteriormente. Não era muito alto, teria pouco mais de metro e meio, mas era muito direito e tinha ramagem a toda a volta.

Procurou a melhor posição, pousou a lanterna no chão com o feixe de luz a incidir no pinheiro, empunhou a machadinha e com meia dúzia de golpes cortou a árvore rente ao solo arenoso. A árvore tombou, baixou-se para apagar a luz e sentou-se no escuro a descansar.

A coruja que se tinha calado com o barulho das pancadas da machadinha, votou a piar. Ali perto, um restolhar intermitente, indiciava a presença de algum coelho noctívago.

Estendeu o saco de serapilheira sobre o ombro, levantou o pinheiro e assentou-o sobre a improvisada almofada.

Regressou a casa pelo mesmo caminho, redobrando os cuidados para não ser visto. Era pouco provável dar de caras com algum “morcego” que andasse a passear numa madrugada fria dos princípios de Dezembro.

Hoje seria banal, mas no início da década de setenta, ainda antes do 25 de Abril, um rapaz de catorze anos ser apanhado por uma patrulha da GNR a meio da noite, dava problemas de certeza, pelo menos os pais seriam chamados ao posto para averiguações.

Pousou o pinheiro dentro do tanque vazio, limpou as botas com a serapilheira e rodou o puxador da porta da cozinha com o máximo cuidado. O gato voltou a tentar escapar, sendo empurrado sem cerimónias para dentro, acabando por desaparecer debaixo da mesa das refeições.

Aguardou uns instantes até ouvir distintamente a cacofonia que os pais faziam a ressonar. Já no quarto, despiu-se e enfiou-se entre os lençóis com a sensação de ter cumprido aquilo que tinha prometido a si próprio, ir buscar um pinheiro para enfeitar com as bolas e as luzinhas. Adormeceu com um sorriso nos lábios, sonhando com mil aventuras mais.

Na manhã seguinte foi acordado pela mãe, que lhe disse para se levantar e ajudá-la a preparar o pinheiro.

- Que pinheiro? Deixe-me dormir, hoje é sábado – resmungou ainda ensonado.

- Levanta-te que já é tarde. A Lídia deve ter ido à lenha de manhã cedo e deixou ficar o pinheirinho dentro do tanque.

Foi ao sótão buscar a caixa com os enfeites de Natal e em breve estava montada uma linda árvore no canto da sala, junto à janela.

No dia seguinte, ao almoço, ouviu a mãe dizer:

- Está outro pinheiro no tanque, mas o que fizemos ontem é muito mais bonito. Quem terá trazido este?

 

 

publicado por Brito Ribeiro às 09:53
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28
Dez 08

 

Mulher do princípio do Século XX, que poderá ou não ser de Âncora.
O traje não é necessariamente da área estrita de Âncora, sendo este tipo de fotos efectuada em estúdio e usando por vezes nomes de diferentes localidades.
Não deixa de ser um traje da época, que teria porventura algo de semelhante com a forma de vestir festiva do Vale do Âncora no advento do século XX.
Este postal, de editor desconhecido, foi impresso nas Oficinas do Comercio do Porto.
publicado por Brito Ribeiro às 18:54
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22
Dez 08

Estamos outra vez no Natal. As lojas enchem-se, mas as pessoas gastam cada vez menos, diz-se que a grande maioria dos portugueses, fazem contas antes de abrirem os cordões à bolsa.

Na mesa de consoada não vai faltar o bacalhau fumegante, o polvo tenrinho, as rabanadas, o bolo rei, as passas e os pinhões. Ao fundo, no presépio, o Menino Jesus, o mesmo dos anos anteriores, deitado nas palhinhas, ladeado pelo S. José, a Nossa Senhora e todos os que O vem saudar.

As luzes compradas na loja do chinês brilham e piscam a ritmo frenético em torno do pinheiro artificial.

No chão os embrulhos de cor garrida e laços espampanantes amontoam-se em desordem estudada.

As crianças gritam excitadas, os adulto falam alto para se fazerem ouvir. O Tareco, nada habituado a confusões, há muito que se escondeu debaixo da cama.

 

Estou para aqui a divagar quando o propósito é desejar-vos um Feliz Natal e um Bom Ano de 2009.

 

Convido-vos a verem um pequeno vídeo do muppet show (Marretas) que acho fabuloso.

publicado por Brito Ribeiro às 22:22

19
Dez 08

 

Tambem designada por Igreja de Santa Maria de Âncora ou Igreja de Nossa Senhora da Assunção
   
Localização
Viana do Castelo, Caminha, Âncora, Lugar da Igreja
 
Protecção
Inexistente
 
Utilização Inicial
Cultual e devocional: Igreja Paroquial
 
Utilização Actual
Cultual e devocional: Igreja Paroquial
 
Propriedade
Privada: Igreja Católica
 
Cronologia
Idade Média - construção de uma primitiva construção, em estilo românico, e da qual sobrevive apenas uma sacristia;
Séculos XV / XVI - provável feitura das pinturas murais;
1650 a 1670 - obras de remodelação / restauro da igreja; foi talvez neste período que se destruiu a primitiva construção, reaproveitando-se as cantarias;
2004 - Durante as obras de restauro dos retábulos da igreja, descobriu-se atrás de um deles pinturas murais, dispersas; posteriormente, os frescos foram expostos na antiga sacristia, futuro espaço museológico.
 
Tipologia
Arquitectura religiosa.
 
Bibliografia
BELO, Arménio, Descobertos seis frescos raros na Igreja Paroquial de Riba D'Âncora, O Comércio do Porto, 2 Janeiro 2005, p. 11.
 
Intervenção Realizada
Proprietário: 2004 - Obras de restauro na igreja e retábulos da mesma;
Comissão da Diocese de Viana do Castelo: 2004 - consolidação, fixação e remoção das pinturas murais.
 
publicado por Brito Ribeiro às 10:30

13
Dez 08

Nasceu a 19 de Abril de 1915 em Gontinhães, hoje Vila Praia de Âncora. Pela Europa decorria uma guerra de trincheiras e gases venenosos que dizimava soldados de ambos os lados. Por cá, os governos sucediam-se a um ritmo alucinante e em breve surgiria um surto de gripe, a pneumónica, que iria matar dezenas de milhares de portugueses.

Era a terceira de cinco filhos de um casal de comerciantes, ambos provenientes da zona de Valença, que se tinham estabelecido com uma pensão e loja, um misto de mercearia e taberna.
Cresceu feliz no seio da família até lidar de perto com a doença e morte do irmão mais novo, único rapaz entre quatro raparigas. Nunca superou este trauma e muitos anos depois, a simples menção deste episódio, faziam-lhe correr grossas lágrimas pela face.
Um dia reparou no rapaz trabalhador, humilde e bem-parecido, vendedor de chás e cafés, que frequentava a pensão dos pais. Começaram a namorar na festa da Senhora da Cabeça, em Soutelo, casaram dois anos depois, em 1937.
No dia do casamento - 1937
Foram viver para o Porto onde o marido se tinha estabelecido por conta própria, mas regressaram a Vila Praia de Âncora ao fim de poucos anos. Agora ele era caixeiro-viajante, ela ajudava na loja dos pais.
Nasceu a primeira filha; passados dois anos nasceu a segunda; logo a seguir faleceu-lhe a mãe. Manteve o negócio a funcionar com a ajuda das irmãs e quando o pai faleceu, largou tudo para voltar a ser mãe e esposa a tempo inteiro.
Mais tarde nasceu o filho mais novo, tinha ela a bonita idade de quarenta e dois anos. Os anos foram passando, o marido reforma-se, mantêm os gostos simples e a vida humilde, mas digna que sempre tiveram.
Igreja Matriz, baptizado do bisneto - Julho 2008
Fica viúva em 1993, passa por um longo período de desânimo muito difícil de superar. Como lutadora que sempre foi, recupera o dinamismo e vive em total independência até aos oitenta e oito anos. Tonturas e perdas de equilíbrio frequentes, levam-na ao médico e pouco depois é-lhe diagnosticada doença de Parkinson.
A filha do meio disponibiliza-se para cuidar dela e ao longo de cinco anos vê agravarem-se as condições de saúde da mãe, até que no domingo passado teve de ser internada no Hospital de Viana do Castelo. Alem de uma insuficiência renal, tinha contraído uma pneumonia.
Durante dois dias lutou pela vida, como sempre o fez, lúcida, teimosa e rodeada por aqueles que mais gostavam dela.
Desta vez foi vencida, faleceu a 10 de Dezembro.
Com o bisneto Duarte - Abril de 2008
Perdi a minha melhor amiga… Foi quem me deu à luz naquela manhã soalheira de Julho; foi quem me deu de mamar e me ensinou os primeiros passos; era quem velava sempre que eu estava doente ou que chegava mais tarde a casa; que me fazia o petisco favorito sem eu pedir nada; que defendia princípios e valores que considerava fundamentais e nos transmitiu desde tenra idade; que me contava histórias passadas na sua infância e juventude, me transmitia de forma esclarecida as memórias de uma época, de um povo, de uma vida.
Ela era minha mãe…
publicado por Brito Ribeiro às 11:26

03
Dez 08

 

Moinho de vento giratório em madeira, com velas trapezoidais em madeira. Toda esta estrutura rodava para se adaptar à direcção do vento.

Ao fundo mais três moinhos de vento construidos em pedra.

À entrada da barra do Rio Minho distinguem-se duas embarcações à vela.

 

publicado por Brito Ribeiro às 17:37

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