PIDE (Polícia Internacional e de Defesa do Estado)
O Estado Novo, constituído sob a direcção de António de Oliveira Salazar, criou diversos organismos de Estado com o fim de condicionar, controlar ou eliminar as manifestações de opinião e impedir a organização política das forças que se lhe opunham, bem como dos contestatários ou descontentes no seio das próprias forças de apoio do regime.
Um dos mecanismos de controle, particularmente vocacionado para operar a limitação do direito de reunião, expressão e organização políticas, foi a polícia política, instituição de carácter secreto que começou por ter uma base apenas regional durante a Ditadura Militar e posteriormente veio a estender-se ao todo nacional.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial e o início da Guerra Fria, Salazar empreende a modernização do aparelho policial secreto, criando em 1945 a PIDE, atribuindo-lhe a missão de defender o regime contra as actividades das organizações clandestinas, particularmente do Partido Comunista Português, para tal recorrendo a métodos os mais variados, que iam da vigilância de suspeitos à prisão sem culpa formada, passando pela intercepção de correspondência e de comunicações telefónicas e pela criação e manutenção de uma rede tentacular de informadores, culminando com a apresentação dos detidos a Tribunais Plenários, que constituíam a forma de legitimação jurídica das prisões e investigações.
Muitas vezes acusada de prender para investigar em lugar de investigar para prender, foi a executora da política selectiva de repressão preconizada por Salazar. Pelas suas cadeias privativas no Continente e pelo campo do Tarrafal (Cabo Verde) passaram suspeitos da mais diversa origem social e filiação ou tendência ideológica ou política, por períodos mais ou menos longos, muitos deles sujeitos a maus tratos ou torturas.
Contrariamente às suas congéneres dos países do Eixo, nunca praticou, de acordo com a filosofia selectiva enunciada pelo chefe do Governo, formas de repressão massiva. No entanto, foi responsável por alguns crimes de sangue, como o assassinato do militante do PCP José Dias Coelho e do General Humberto Delgado.
Durante as guerras coloniais, a polícia política, até aí virtualmente ausente dos territórios africanos, assumiu nos três teatros de operações a função de serviço de informações e, constituindo, enquadrando e dirigindo milícias próprias, compostas por africanos, por vezes desertores da guerrilha, colaborou com as forças militares no terreno.
São-lhe atribuídas responsabilidades, quer no atentado que vitimou o dirigente da FRELIMO Eduardo Mondlane, quer na manipulação dos descontentes do PAIGC que, num "golpe de Estado" dentro do partido, assassinaram o dirigente independentista Amílcar Cabral.
Com a Primavera marcelista sobreveio uma mudança de nome, passando a PIDE a denominar-se DGS, numa liberalização de procedimentos mais aparente do que real, vista pelas oposições legal e clandestina com grande desconfiança. Depois do 25 de Abril de 1974, acabou por ser extinta, sendo alguns dos seus altos responsáveis levados a tribunal.
Humberto Delgado
Nasceu em 1906 e, como Jovem oficial, participou no movimento militar de 28 de Maio de 1926, que derrubou a República liberal e implantou em Portugal a Ditadura Militar que, poucos anos mais tarde, iria dar lugar ao Estado Novo liderado por Salazar.
Durante muitos anos comungou das posições oficiais do regime salazarista, particularmente do seu violento anticomunismo. A sua atitude política, aliada a uma reconhecida competência técnica, levou-o a ascender rapidamente na escala hierárquica (será o general mais jovem da Força Aérea) e a ocupar posições de destaque, nomeadamente como Director da Aeronáutica Civil e em cargos de elevada responsabilidade na representação de Portugal na orgânica da NATO, nos Estados Unidos.
Estas experiências colocá-lo-ão em contacto com a vida política das democracias ocidentais, que vivamente o impressionam e o levam a questionar a legitimidade do regime que até aí servira.
Regressado a Portugal, aceita o convite de personalidades oposicionistas para se candidatar à Presidência da República contra o candidato governamental, o Contra-Almirante Américo Thomaz.
Imprime à campanha um ritmo vivo, até aí desconhecido da vivência oposicionista, manifestando-se decididamente contrário à continuação de Salazar à frente do Governo -- quando questionado, publicamente, sobre as suas intenções quanto a Salazar na eventualidade de vencer as eleições, responde secamente "Obviamente, demito-o!", o que equivalia a uma declaração de guerra ao regime.
Esta frase, rapidamente celebrizada, incomodou os mais conservadores dos seus apoiantes, mas incendiou os espíritos das massas populares que o vitoriaram durante a campanha. Apesar do apoio popular, os resultados eleitorais oficiais atribuem-lhe a derrota, que tanto o próprio General como a Oposição em geral nunca aceitarão por acreditarem ter havido uma gigantesca fraude eleitoral.
Convencido de que o regime não poderá ser derrubado pelas urnas, procura atrair as chefias militares para um putsch, ficando desiludido pela falta de receptividade ao seu apelo. Considerando-se em perigo, refugia-se na Embaixada do Brasil, aí ficando largos meses até lhe ser permitido partir para o exílio, onde debalde tentará congraçar os núcleos oposicionistas exilados. Somando desilusões e traições, rodeado de colaboradores indisciplinados, dá cobertura à Operação Dulcineia, desencadeada pelo seu aliado Capitão Henrique Galvão (outro dissidente do regime), que consiste na captura do paquete Santa Maria, que será utilizado como veículo de propaganda que atrairá as atenções da opinião pública internacional para a situação política no País.
A operação coincide com o início da guerra em Angola, fazendo nascer suspeitas de entendimento entre os oposicionistas portugueses e a direcção dos movimentos independentistas africanos, situação habilmente aproveitada pelo regime para descredibilizar o General Humberto Delgado junto da opinião pública.
A sua tendência para privilegiar a solução militar para o derrube do regime, a sua ousadia (que justifica o qualificativo de "General Sem Medo"), que muitos desentendimentos provocará no seio da oposição no estrangeiro e no interior, leva-o a planear e executar uma nova tentativa revolucionária, tomando de assalto o quartel de Beja (Ano Novo 1961-1962), e eventualmente outras posições, de onde partiria à conquista dos pontos fulcrais do País.
Falhando a revolta, o General, que entrara clandestinamente em Portugal, volta a atravessar a fronteira, deslocando mais tarde as suas actividades para o Magrebe, onde procura outros apoios e aliados, nomeadamente o Partido Comunista Português e os movimentos de libertação das colónias portuguesas.
Este isolamento proporciona, em 1965, a montagem de uma armadilha fatal, sendo assassinado em Badajoz, por um comando da PIDE.
O clamor que se ergueu na opinião pública ao saber-se do assassinato do General criou significativas dificuldades políticas a Salazar, que nunca reconhecerá oficialmente as suas responsabilidades pelo facto. Os autores do atentado, só após o 25 de Abril é que foram levados a juízo, sendo a maior parte deles condenados à revelia por terem fugido para o estrangeiro.
Após a restauração da democracia, promovido postumamente a marechal, o seu corpo será trasladado com todas as honras para o Panteão Nacional.