Ambiente, história, património, opinião, contos, pesca e humor

30
Out 07
Uma manhã de Junho, estávamos nós a pescar de barco, muito sossegados, no mar de Moledo, entre a Ínsua e Fornelos, quando reparamos que por fora continuava fundeado um barco branco. Já ali estava quando chegáramos, ainda não eram seis e meia da manhã e não tinha mudado de poiso.
Como nós pescávamos ao robalo a corricar, nunca estávamos parados, fazíamos tiradas entre os pontos assinalados e dávamos volta. Ora íamos em direcção à Ínsua, ora virávamos a sul em direcção a Fornelos, sempre numa linha mais ou menos paralela à costa. O mar estava chão e dava para andar perto da rebentação, sem qualquer perigo.
- Zé, aquele gajo deve ter vindo pescar ainda de noite. Consegues ver quantos são? – Pergunto eu, que sou um bocado “pitosga” a ver ao longe.
- Parece que é só um. Que pesqueiro será aquele?
- Sei lá. Também não conheço.
E continuamos entretidos a pescar, até repararmos que o barco que nos despertara curiosidade, vinha a navegar na nossa direcção.
 
Ao chegar perto de nós, reconhecemos o Zé Cola, um ancorense que casara e vivia em Caminha, homem que já devia estar perto dos setenta anos, mas um viciado no mar e na pesca. Tanto eu como o Zé, o meu parceiro, tínhamos bom relacionamento com ele, principalmente eu, porque o Zé Cola era meu correligionário de andanças políticas e primo directo da minha sogra.
- Que andais vós a fazer?
- Estamos a corricar e você, que estava pescar?
Ele ri-se, dá gás ao motor, vira de bordo e aproxima-se, com o seu barco, quase a tocar no nosso.
- Olhai para isto!
No fundo do barco, estavam duas caixas plásticas cheias de besugos.
- Vede lá se sabeis apanhar disto, ah, ah, ah… - troçava ele da nossa cara de admiração.
- Onde apanhou os besugos? Foi ali fora? – Pergunta o Zé.
- Recolhei as linhas e vinde comigo, que vos vou levar ao pesqueiro.
Alamos os trolley a toda a pressa e arrancamos atrás dele, aproveitando aquela oportunidade de registar mais um pesqueiro, que tinha peixe do bom. Aliás, enquanto navegamos, eu e o Zé trocamos impressões sobre a pescaria do Zé Cola e logo decidimos na primeira oportunidade ir experimentá-lo.
A viagem foi curta, cinco ou dez minutos e terminou abruptamente quando o Zé Cola desacelerou e começou a navegar lentamente em círculo, procurando pontos de referência em terra.
- É aqui, estamos em cima de pedra, são umas lajes. Aqui, é mais ou menos o meio das lajes. Estais a ver o farol, acolá? Alinha-se por… e explicou-nos ao pormenor a marcação daquele pesqueiro. Por causa das moscas, o Zé marcou-o imediatamente no GPS, pois nós somos mais dados a estas tecnologias que ao conhecimento dos alinhamentos.
Esta história dos alinhamentos por terra “à moda antiga” é muito bonita, mas se deitam abaixo o pinheiro por onde se marcou, se pintam a casa de outra cor ou se constroem em frente lá vão os pontos para o “galheiro”. Faz lembrar a história do pescador que tinha marcado um dos pontos pelo comboio e por isso só podia lá pescar a uma certa hora!
Na sonda, realmente assinalava peixe junto ao fundo, mas nada de especial.
- Que estais a ver, é na sonda? – Pergunta o Zé Cola.
- É, assinala algum peixe…
- Agora não é nada, o peixe já saiu, a esta hora! Hoje cheguei aqui às quatro e meia da manhã e o peixe aguentou-se bem até nascer o sol. Depois começou a falhar mas ainda tirei mais de uma dúzia.
Agradecemos a disponibilidade do Zé Cola, uma atitude bonita, de um velho lobo-do-mar, a desvendar um dos seus segredos, a dois amadores. Não há muita gente com essa disponibilidade, acreditem no que vos digo!
 
Regressamos à nossa actividade de corrico e ele rumou à barra, entrou no Rio Minho e foi para casa, contente com a pescaria obtida.
Apanhar besugos não é para todos, porque é preciso encontrar pesqueiros onde os haja e mesmo quando se encontra algum, é preciso saber algumas manhas deste esquivo e saboroso peixe. O Zé estava particularmente entusiasmado com a perspectiva de levar um par de besugos para casa, já fazia planos e deitava contas às marés.
Até entrarmos no portinho, já tínhamos decidido várias coisas, como ir à isca durante a tarde, preparar os “tarecos” para pescar ao fundo e mais não sei o quê. Só faltava o mar dar uma ajuda e os peixes não nos pregarem a partida, de ir de férias!
Tínhamos um problema e não sabíamos bem como resolver, pois teríamos de sair para o mar ainda de noite e nós só tínhamos licença de navegar durante o dia, entre o nascer e o pôr-do-sol. Decidimos arriscar, saindo juntos com os barcos da sardinha e rezar para que não aparecesse a Marinha. É que esses gajos gostam muito de aparecer sem serem convidados e quando não fazem falta nenhuma!
 
Na madrugada seguinte, ao levantar-me, redobrei os cuidados para não acordar a minha mulher, pois ainda pouco passava das quatro da madrugada e ela já achava que eu estava maluco, por me levantar habitualmente às cinco e meia ou às seis da manhã. Se me apanhasse a sair às quatro, ainda chamava o INEM…
Metemos o barco na água e saímos ao mesmo tempo que o Jorge do Necho que ia à sardinha, ali perto, como de costume. O Areosa, velho e castiço pescador nosso amigo, ao ver-nos tão madrugadores atirou-nos:
- Onde ides, malecueques? Quereis apanhá-los a dormir…
Ainda navegamos juntos um bocado, porque o Jorge também ia para o norte, até que virou para fora e nós continuamos a direito, aproximando-nos lentamente da Ínsua.
Ligamos o GPS, procurou-se o ponto electrónico marcado na véspera e nem nos preocupamos com o alinhamento dos pontos de terra, que localizavam o pesqueiro. Quando o GPS assinalou que estávamos em cima do pesqueiro, larguei o ferro, folguei o cabo, o Zé desligou o motor e preparamo-nos para pescar.
O Zé preparou as suas habituais duas canas, para pescar à popa, enquanto eu apenas trouxera uma cana o que não agradou ao meu parceiro. Mais desagradado ficou quando viu que só tinha armado dois anzóis “esquisitos”.
- Hás-de apanhar muitos! – Lançou-me com ar depreciador.
 
Começamos a pescar e os besugos estavam lá à nossa espera. Milagre!!! Havia besugos e jeitosos… Eu comecei a enferrá-los seguidos e por diversas vezes fiz subir dois de cada vez. O Zé lá ia tirando alguns, mas mais “a modo”.
- Como é que estás a iscár?
- Com barrenha e com sardinha – esclareci eu, que iscava aleatoriamente com as minhocas apanhadas na véspera nos favos de barrenha, conservadas em serrim ou com beliscos de sardinha, que tapavam os meus novos anzóis, os Chinu 5 da Sasame.
Era a primeira vez que os utilizava e estava maravilhado com a eficácia destes finos e afiadíssimos anzóis. Como só tinha uma cana, pescava com ela na mão e ao sentir o peixe a “apalpar” a isca, bastava-me dar um ligeiro toque e o besugo ficava logo ferrado.
O Zé, pelo contrário usava uns velhos ferros torcidos a que insistia em chamar anzóis e pescava com as canas pousadas, originando que, por vezes, os “melros” comiam a isca e cagavam-lhe no anzol.
Entretanto, dia começou a levantar e com ele veio uma brisa de nordeste, que nos mudou o posicionamento do barco. O efeito foi imediato, pois o peixe começou a rarear e desapareceu.
Levantamos o ferro e deslocamos um pouco o barco na direcção inversa, mas nada. Repetimos mais uma ou duas vezes a operação, na tentativa de encontrar o peixe, mas as nossas tentativas foram infrutíferas. A pesca estava feita, tínhamos apanhado umas dúzias de besugos, alguns de bom porte, que eu esperava saborear assados no forno ou grelhados na brasa.
 
Aproveitamos para corricar um bocado, porque ainda era muito cedo e quando regressamos ao portinho não escondemos o peixe, nunca o fazíamos. Viu quem quis a pescaria de besugos, que naquele ano, tinham o sabor da raridade.
No dia seguinte, fomos para Moledo corricar, como era habitual e ficamos admirados ao ver, ao longe, três ou quatro barcos, no pesqueiro dos besugos.
Como quem não quer a coisa, fomos fazendo tiradas cada vez mais fora, até ficarmos a uma distância que nos permitisse identificar os barcos, que estavam aos besugos.
- Ai os filhos d… - dizia o Zé, indignado com a lata dos “artistas”.
Eram alguns dos que habitualmente corricavam à nossa beira e no dia anterior viram onde estávamos a pescar ao fundo. Quando chegaram a terra, logo alguém lhes contou que tínhamos trazido uma bacia de besugos. Somaram dois, mais dois e o resultado estava à vista. Tínhamos feito asneira grossa!
 
Divulgáramos de forma involuntária, mas estúpida, a localização do pesqueiro. Naquele mesmo dia, um barco de Âncora, de pesca profissional, foi lá largar umas redes e passados alguns dias o Zé Cola apanhou-nos e “pintou-nos a manta”.
Tinha toda a razão, só nos desculpou quando lhe asseguramos que não disséramos nada a ninguém, o peixe que leváramos para terra é que nos tinha denunciado.
O Zé Cola faleceu o ano passado e algum tempo antes, tinha-me encontrado com ele em Caminha, junto ao mercado e entre outros temas de conversa, ele relembrou-me aquela asneira. É que naquele ano, não saiu ali, nem mais um besugo!
Também foi da maneira que aprendemos a não dar a conhecer, de qualquer maneira, o que tínhamos pescado e onde, porque senão acabávamos sempre por ser “lixados”.
 
publicado por Brito Ribeiro às 21:43
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28
Out 07

 

 

 

 

 

 

 

 

publicado por Brito Ribeiro às 11:04
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24
Out 07
Durante mais de uma semana andei desconfiado que tinha o telefone sob escuta. Ora essa! Sim, sob escuta ou pensam que são só os traficantes, os presidentes corruptos e afins, que tem esse privilégio?
Hoje, qualquer cidadão tem acesso a esse estatuto, o de escutado pelas polícias ou pelos serviços secretos. Eu comecei a desconfiar porque o meu velho Motorola começou a emitir uns ruídos estranhos e de vez em quando perdia o pio.
Resolvi mudar de aparelho e passei a utilizar um Nokia que andava lá por casa, o qual também começou com umas maluqueiras que só visto. Avariar um aparelho ainda podia acreditar, mas avariarem dois, é demais e foi isso que me pôs a pulga atrás da orelha. Como tinha publicado recentemente uns artigos em que zurzia forte e feio nas políticas do actual governo, somei dois mais dois e conclui brilhantemente que estava sob escuta.
Com esta convicção decidi escrever ao Sr. Procurador-geral da Republica a dar-lhe conta do sucedido. Optei por escrever porque sabia que alguém iria escutar a nossa conversa e acho que agora ninguém se lembra de violar correspondência.
Isso está fora de moda e até dá mal aspecto. Ele foi muito simpático, respondeu-me dias depois, também por carta, dizendo que eu devia ter razão e que mesmo ele também desconfiava que tinha o seu telefone sob escuta. Aliás até me disse que já se tinha queixado ao director da Judiciária, não por causa da escuta, mas pelos barulhos que faziam e que interferiam na conversa. Uma coisa muito incómoda!
Ora aqui está um homem que me compreende, pensei cá para mim, uma verdadeira vítima do sistema, como diziam há uns tempos os tipos do Sporting.
Entretanto, estava eu descansadamente a ver o telejornal quando aparece o sr. Ministro da Justiça a dizer que iam investir uns milhões de euros em equipamento tecnológico para a Judiciária. Até saltei de contente, iria ser escutado com materiais de última geração que são, segundo dizem, indetectáveis. Iria ser escutado com qualidade. Cá está o choque tecnológico!
Dias depois, como o raio do telemóvel continuasse maluco de todo, um amigo meu que é muito dado à electrónica, pegou no aparelho desmontou-lhe a bateria, trocou o cartão e fez não sei que mais, virou-se para mim e disse: Ó pá, o telemóvel não tem nada, este cartão é que está f…, tens de comprar outro.
Que grande desilusão eu tive…
publicado por Brito Ribeiro às 20:59
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2007

Classificação

Colif. Fecais

Colif. Totais

Estreptoc. Fecais

16-5

Boa

22

53

10

23-5

Aceitavel

760

3800

170

30-5

Aceitavel

99

830

22

06-6

Boa

4

6

0

12-6

Boa

63

190

32

20-6

Boa

28

340

22

27-6

Boa

3

3

0

04-7

Boa

14

120

14

11-7

Boa

55

61

47

18-7

Boa

3

6

3

01-8

Aceitavel

290

2500

120

08-8

Boa

19

65

1

14-8

Boa

6

12

2

21-8

Boa

19

51

2

29-8

Boa

2

7

1

04-9

Boa

1

1

2

11-9

Boa

2

13

1

18-9

Boa

0

2

0

25-9

Boa

58

400

9

 

 

Perante o quadro apresentado não posso deixar de me congratular porque ao fim de muitos anos tivemos um verão onde a qualidade da água balnear não nos acarretou prejuizos de imagem e de saude publica.

No entanto estes valores não iludem ninguem e apenas porque houve muito controle, quer dos serviços municipais, quer da Empresa de Águas Minho-Lima. Tambem ajudou o facto das análises serem tiradas em dia fixo. Mas a grave deficiencia do sistema de saneamento de Vila Praia de Âncora mantem-se no essencial e só com obras de fundo se irão resolver, assim como o problema da ETAR só será resolvido com um emissário submarino para o mar e não para o Rio Âncora como acontece hoje.

 

Ainda assim, reunimos condições para que no próximo ano a nossa praia possa ostentar outra vez a Bandeira Azul o que é sempre uma boa notícia.

publicado por Brito Ribeiro às 18:49
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23
Out 07
 
Os frequentadores habituais deste blog certamente repararam e talvez até tenham participado no inquérito sobre a criação ou não do Concelho de Vila Praia de Âncora.
Este inquérito não teve, nem tem suporte científico, mas todos foram livres de exprimir a sua opção.
Como estarão recordados as perguntas eram simples e ninguém podia alegar que se sentia confuso ou enganado. Os resultados são igualmente esclarecedores:
 
92% estão de acordo com a criação do novo Concelho de Vila Praia de Âncora.
 3% defendem a continuação no Concelho de Caminha
 1% não sabe ou não tem opinião formada
 4% Não estão interessados nesta questão
Como já referi, os números falam claro e hoje não faço mais nenhum comentário sobre o assunto.
publicado por Brito Ribeiro às 19:23
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19
Out 07
 

A Exposição Colonial Portuguesa esteve em preparação desde 1931, sendo intenção do Estado Novo organizar um evento de dimensões nacionais. Após algumas hesitações, a decisão sobre a escolha do local mais adequado para instalar a exposição recaiu sobre o Palácio de Cristal e os seus jardins, no Porto.

Afirmava-se ser a localização perfeita, uma vez que os terrenos incluíam não só um edifício que se prestava à exposição, como também amplos jardins e longas áleas plenas de árvores e de sombras.

Em Junho de 1934 a exposição estava pronta e no dia 16 abriu as suas portas ao público.

Os edifícios, terrenos e jardins do Palácio de Cristal estavam transformados num Império Colonial em miniatura, onde era possível encontrar a floresta tropical, o deserto, uma picada angolana, aldeias típicas de todas as colónias e muitas outras simulações que tinham por intenção dar ao visitante, após o passeio, a sensação de ter viajado por todo o Império Português.

Encontrei um artigo bem elaborado que podem aceder em : https://www.portodhonra.com/2021/06/recordar-exposicao-colonial-de-1934.html?spref=fb&fbclid=IwAR3fYupXGicc4AzJ5WaL4syDJ23hBjfJln7XPjXjVnGICtklbRJd7wk2BK8

A seguinte narrativa é ficcionada, embora baseada nas memórias contadas pela minha mãe, uma das participantes na excursão. 

A ideia foi do Abel, naturalmente, que depois do habitual jantar de bacalhau cozido com batatas e hortaliça, recostou-se na cadeira e arrumando o palito no canto da boca, disse para a Delfina:

- Vamos levar as raparigas ao Porto, para verem a exposição.

- Lá estás tu com ideias. Não vês que aquilo é uma confusão…

- Qual confusão? Vamos pela manhã e regressamos à tarde. Li no jornal que os jardins foram arranjados, estão muito bonitos e a exposição é enorme.

- Mas levar as raparigas… não sei, tenho medo, são outros mundos, pode haver quem se meta com elas e eu não…

- Ora, ora! Que feitio o teu! Elas já são umas mulheres, tu até te esqueces que a Bela já está casada, agora vive no Porto... e além disso nós vamos com elas.

- Nós? Eu não vou. Achas que ia deixar a pensão ao “Deus dará”? Parece que não sabes como são as criadas.

- Seria por umas horas… Até podíamos fechar.

- Nem penses nisso. Se queres, vai tu com elas. Eu fico a tomar conta do negócio. E para mais, eu ainda não levantei o luto pelo nosso António.

O Abel deu um suspiro de resignação e esticou o braço para as maçãs que enchiam a fruteira. Quando a mulher teimava, não valia a pena insistir e se havia coisa que o incomodasse era falarem-lhe no António, o seu único rapaz, que tinha morrido há dois anos com uma doença no sangue.

Tinha de decidir a forma de as levar até ao Porto. Podiam ir de comboio, mas de S. Bento até à Exposição, que era do outro lado da cidade não dava para ir a pé. Indo de carro era a mesma coisa, não cabiam todos. “Bem, há-de resolver-se” e encolhendo os ombros, levantou-se e foi até à sala da frente onde três hospedes se entretinham a jogar umas partidas de dominó.

- Ainda bem que chegou sr. Abel, faltava-nos um parceiro para um jogo a sério. Isto de jogar dominó a três, não tem piada nenhuma.

 

Dias depois, o Abel da Chocalha teve mais uma ideia das suas, “iriam de camioneta de passageiros”. Teria de falar com o Rogério de Caminha, que alem de um táxi, tinha uma camioneta que usava para transportar as pessoas das aldeias para as feiras, à quarta para Caminha, à quinta para Âncora e aos fins de semana fazia excursões à Senhora da Peneda ou outros santuários e até já tinha ido várias vezes a Fátima.

Foi até Caminha, estacionou o automóvel no Terreiro e dirigiu-se à Cova da Onça, pouso habitual do Rogério que por lá passava os dias na jogatina ou na conversa, sempre que não tinha fretes de transporte.

Não foi nada difícil fazê-lo concordar com o negócio, pois o Abel disponibilizou-lhe a sua camioneta de carga para quando precisasse, o que até lhe vinha a calhar, porque queria fazer umas obras lá em casa e era preciso transportar os materiais.

- Eu empresto-lhe a camioneta sr. Abel, mas tem de ser à segunda ou à terça-feira, porque nos outros dias tenho serviços.

- Muito bem, e tu, quando quiseres, tens a minha camioneta à disposição. Tens é de me avisar antes.

O acordo logo ali ficou selado pela palavra e por dois copos de vinho branco da mais conhecida tasca caminhense.

 

Como a camioneta do Rogério tinha lugar para trinta pessoas o Abel pensou em completar a lotação com quem o quisesse acompanhar, desde que ajudassem a pagar o combustível.

Quando se soube na vizinhança que o Abel da Chocalha estava a organizar uma excursão ao Porto para visitar a Exposição Colonial, não faltaram interessados e rapidamente a camioneta encheu. Alem do organizador que também faria de motorista, iriam as três filhas mais novas, a Minda, a Quinhas e a Letinha. A mais velha, a Bela, tinha casado, morava no Porto com o Simão e já esperava o primeiro filho.

Como convidados participariam a Maria Férrinha, cozinheira da pensão e mulher de confiança da Delfina e o Mota, um sapateiro amigo da família que alinhava sempre nestas coisas.

 

Chegou o dia combinado e logo pela manhã juntaram-se os excursionistas em volta da camioneta que estava estacionada no Largo do Sol Posto, havendo uma fartura de cestos carregados com os mais saborosos merendeiros.

A Delfina que sempre foi muito exigente com a alimentação, tinha dada carta branca à Maria para aprontar, de véspera, o repasto que iria ser comido à sombra de alguma árvore dos jardins do Palácio de Cristal.

Nos cestos foram cuidadosamente acondicionados uns franguinhos assados, carnes de cozido e unha de porco, bolos de bacalhau, ovos cozidos, vários chouriços, um bom naco de presunto, broa acabada de cozer, um pote de azeitonas, um garrafão de vinho tinto para os homens, umas garrafas de vinho branco para as mulheres, sem esquecer uma garrafinha de aguardente para alguma má disposição.

O Mota, como convidado estava dispensado de trazer merendeiro, mas apresentou-se com uma maleta cheia de ferramentas próprias do seu ofício, argumentando “se for preciso alguma coisa…”.

 

Bagagem presa no porta bagagens do tejadilho, excursionistas nos lugares e “ala que se faz tarde”. Com um par de solavancos e envolta numa nuvem de fumo a camioneta arrancou, estrada fora em direcção a Viana do Castelo.

Antes de chegar à Povoa ainda fizeram uma breve paragem junto a uns campos de milho para “verter águas” e quando entraram no Porto, o motorista seguiu directo para o recinto da Exposição. Como era segunda-feira não havia movimento e àquela hora as bilheteiras estavam às moscas.

O Mota, finalmente, foi convencido a deixar a caixa das ferramentas dentro da camioneta e o Abel, na sua voz grave e tranquila, fez a ultima recomendação aos seus passageiros.

- Todos aqui ao meio-dia, para tirar as cestas.

 

E lá foram, com as suas roupas domingueiras, de nariz no ar à procura das novidades da Exposição Colonial, uma recriação dos usos e costumes dos nativos africanos em cenário grandioso, montado com o máximo de realismo possível. As palhotas redondas com as nativas nos seus trajes tradicionais, as crianças transportadas às costas das mães, as pirogas, o pilão onde se preparava a farinha de mandioca, os arcos e flechas de caça.

Logo à entrada, dois polícias negros de uniforme e espingarda ao ombro em pose marcial, que muitos duvidavam serem homens verdadeiros, chegando a serem apalpados pelos mais incrédulos.

Tudo exposto para conhecimento e comentário dos visitantes, que na sua maioria esmagadora nunca tinham estado em Africa e muitos até era a primeira vez que viam um negro.

Uma jovem negra vestida apenas com uma espécie de saia feita de fibras vegetais, com um peito exuberante à mostra, a Rosinha, era a atracão maior. Só mesmo quando se exibiam os grupos em danças tradicionais é que conseguiam reter a atenção dos visitantes, que esqueciam momentaneamente a formosa ninfa cor de ébano.

As três manas acompanhavam o tranquilo Abel, que não se furtava de dar umas olhadelas sorrateiras a tudo o que tivesse saias, a sua fraqueza.

Quando deram as doze badaladas no campanário de uma igreja distante, talvez a do Carmo, lá foram buscar os lautos farnéis que foram tranquilamente degustados à sombra de um frondoso choupo, depois de estendida sobre a relva uma toalha de linho que a Delfina fizera questão que trouxessem. Todos estavam com apetite, especialmente o Mota, que apesar da compleição franzina era um bom garfo.

A meio da tarde, chegada a hora de iniciarem o regresso, muitos ainda compraram roscas, pão doce e rebuçados que se vendiam no jardim, para os catraios que ficaram em casa.

 

Logo à saída do Porto, face a insistentes pedidos do Mota, a camioneta parou e o atrapalhado sapateiro embrenhou-se no interior do pinhal para um urgente alívio intestinal. Já com outros ares regressou à camioneta, mas quilómetros mais à frente renovou o pedido para mais uma paragem. Até ao fim da viagem ainda foi preciso parar na veiga de Montedor o que já motivava os mais variados comentários dentro da camioneta.

- Ó sr. Abel, pare lá a camioneta senão o homem borra-se todo aqui dentro.

- Mota, faz dentro da caixa da ferramenta, senão havemos de chegar a Âncora de noite.

O Mota tentava fazer cara alegre, mas o sorriso era amarelo e de vez em quando vinham aquelas cólicas, que até lhe faltava o ar.

Com estas peripécias e no mais alegre convívio ao qual não faltaram umas canções bem conhecidas de todos, a camioneta acabou por parar em frente à pensão Âncora de onde saiu a Delfina que já estava em cuidados, pela demora.

- Que queres? – justifica o Abel com a tranquilidade habitual – O Mota comeu como um alarve e depois veio a cagar-se desde o Porto até cá. Tive de parar não sei quantas vezes. Estava a ver que tinha de o subir para o porta bagagens…

 


publicado por Brito Ribeiro às 23:51
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17
Out 07
 
Portugal na Grande Guerra
 
 
Portugal era, no início do século XX, uma pequena potência com um vasto império colonial, incompletamente ocupado e imperfeitamente explorado, mas cobiçado por potências mais fortes (Inglaterra, França e Alemanha), que secretamente se entendiam no sentido de redesenharem o mapa de África de acordo com os seus interesses.
Quando, em 1914, é desencadeada a Primeira Guerra Mundial, os políticos portugueses entenderam que a via mais consentânea com a defesa da integridade do império era a participação no conflito, ao lado da Inglaterra (tradicional aliada que era simultaneamente uma séria concorrente, como se vira na questão do Ultimato). A entrada na guerra proporcionaria a Portugal um lugar à mesa das negociações, em posição de obstar à partilha dos territórios coloniais entre outras potências.

Portugal entrou, assim, oficialmente na guerra em Março de 1916, embora já se tivessem travado combates de maior ou menor envergadura nas fronteiras coloniais de Angola e Moçambique, em áreas disputadas por forças alemãs.
Essa guerra surda, longe dos grandes centros de decisão, não concedia a Portugal uma posição de suficiente destaque para a defesa dos seus interesses em matéria colonial; era necessário entrar no conflito no teatro de operações europeu, o que foi feito em concerto com a Inglaterra e a França.
A política de defesa colonial era a que maior consenso obtinha junto da opinião pública portuguesa, mas não era a única justificação real para a participação no conflito e para privilegiar o teatro de operações europeu.
Na verdade, a República temia a política anexionista de alguns sectores de grande peso na vizinha Espanha (que, em 1911-1912, apoiara as incursões restauracionistas). Colocando-se ao lado da Inglaterra, Portugal poderia assim melhor preservar a sua independência e identidade dentro da Península Ibérica.
A estas razões de ordem estratégica e de política internacional deve acrescentar-se o intuito de garantir a unidade da opinião pública em apoio do novo regime político, ainda mal consolidado, assim conseguindo a sua legitimação.
A participação militar portuguesa no teatro de operações europeias fez-se sob a forma de um Corpo Expedicionário, adestrado sob a direcção do ministro da Guerra Norton de Matos. Foi tal a rapidez do processo de mobilização e instrução que se lhe passou a chamar "milagre de Tancos". Este Corpo, que englobava uma força de artilharia e brigadas de infantaria e pelo qual passaram dezenas de milhares de homens, participou nalgumas das batalhas mais sangrentas da guerra, nomeadamente em La Lys, integrado num sector da frente sob comando inglês (o que foi causa de alguns atritos, pois a autonomia do comando português esteve, várias vezes, em perigo de desaparecer).

 

O saldo da participação portuguesa na guerra foi bem pesado: 35 000 baixas, número elevadíssimo de feridos e doentes (mutilados, gaseados e tuberculosos), perda de navios mercantes e de guerra, imperfeitamente colmatada por vasos da frota alemã, apreendidos durante o conflito, agravamento da debilidade económica e dos problemas sociais.
 
 
Batalha de La Lys
 
Batalha travada em 9 de Abril de 1918, durante a Primeira Guerra Mundial, entre as forças da Alemanha e do Império Austro-Húngaro, por um lado, e a coligação de países em que se destacavam a Inglaterra, a França e Portugal, por outro.
A batalha decorreu numa planície pantanosa banhada pelo Rio Lys e seus afluentes. As forças portuguesas assumiram a disposição de um trapézio, cuja face voltada para o inimigo se estendia por 11 km, e dispuseram-se em três linhas de defesa.
Este foi um dos mais sangrentos confrontos em que esteve envolvido o Corpo Expedicionário Português, que aqui teve as seguintes baixas: 1341 mortos, 4626 feridos, 1932 desaparecidos e 7440 prisioneiros.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
publicado por Brito Ribeiro às 23:32
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13
Out 07
Designação
Ponte de Tourim
 
Localização
Viana do Castelo, Amonde
 
Acesso
Lug. de Tourim, ao km 8 da EN 305, junto à nova ponte sobre o Rio Âncora;
 
Protecção
Inexistente
 
Enquadramento
Rural, isolado, na periferia de Amonde, sobre o Rio Âncora, integrada no caminho velho que se dirige para Lanheses, paralelo à ponte da EN 305. Junto à ponte, existem vestígios de uma via antiga.

 
Descrição
Ponte de tabuleiro em cavalete com uma largura máxima de c. de 4 m. e 21 m., assente num único arco de volta perfeita, em cantaria. Apresenta pegões cegos, estando o arranque destes protegido por um muro de silhares graníticos, a montante e jusante em ambas as margens, que entestam no respectivo pegão.
O tabuleiro, de parapeito saliente, apresenta um pavimento lajeado, registando-se ainda guardas em cantaria. O aparelho dos paramentos revela os sucessivos arranjos, particularmente nas extremidades da caixa do tabuleiro, onde se regista um aparelho irregular que incorpora blocos de xisto com silhares graníticos bem aparelhados, enquanto a zona envolvente do arco se conserva em aparelho regular de silhares graníticos, com algumas fiadas pseudo-isódomas.
No vértice do tabuleiro, encontra-se, encaixado entre as guardas, do lado montante, um cruzeiro, com plinto de formato rectangular e ligeiramente saliente em altura.
   
Utilização Inicial
Equipamento. Ponte

 
Utilização Actual
Equipamento. Ponte com circulação pedonal
 
Propriedade
Pública: municipal
   
Época Construção
Idade Média
 
Arquitecto | Construtor | Autor
Não definido
 
Cronologia
Idade Média - época de construção; Idade Moderna - reforma da ponte.
 
Tipologia
Arquitectura civil pública, medieval. Ponte medieval de tabuleiro em cavalete assente sobre um arco de volta perfeita.
 
Características Particulares
Muro de protecção dos pegões; tabuleiro de parapeito saliente; cruzeiro no vértice do tabuleiro, encaixado entre as guardas. Possui vários tipos de aparelho, revelando várias reconstruções.
 
Dados Técnicos
Estrutura autoportante.
 
Materiais
Estrutura em silhares graníticos e blocos de xisto; pavimento em lajes graníticas; cruzeiro em granito.
   
Intervenção Realizada
Não definido

 
Observações
A ponte encontra-se na divisória dos concelhos de Viana do Castelo e de Caminha; na casa que se localiza junto à ponte, na margem esquerda, encontram-se umas alminhas na base das escadas, voltadas para a entrada da ponte.
 
publicado por Brito Ribeiro às 18:24

10
Out 07

 

Na semana passada “caiu” no meu e-mail um texto sobre o projecto do TGV que, me levou a escrever estas simples linhas, porque já tinha opinião formada sobre o assunto.
De facto o TGV é mais uma asneira que o nosso governo nos quer impingir, como se fosse a panaceia para os problemas de acessibilidades e de competitividade da nossa pobre economia.
Fala-se num custo estimado de 7,5 mil milhões de euros, mas todos sabemos que em obra pública isso poderá significar 10 ou 12 mil milhões, com as habituais e previsíveis derrapagens financeiras.
Só quem, por distracção ou por ignorância, não souber que Portugal não tem dimensão física para um meio de transporte tão especializado, é que pode defender esta opção.
Distracção, ignorância ou vontade de servir os interesses espanhóis que estão desejosos de estender as suas linhas em território português, ainda por cima, à custa do orçamento dos “nabos” portugueses. São os únicos interessados neste negócio e até se dão ao luxo de dizer por onde deve ou não deve passar o TGV, consoante os seus interesses.
Mas que raio importa aos dez milhões de portugueses que a viagem entre o Porto e Lisboa se faça em menos meia hora???
Em que é que isso contribui para a melhoria da nossa qualidade de vida?
Mesmo aos utentes que esporadicamente fazem a viagem isso pouco importa. É como a viagem de avião entre o Porto e Lisboa. Demora trinta ou quarenta minutos, mas é preciso estar no aeroporto duas horas antes e depois a bagagem demora a chegar mais meia hora, no mínimo. Digam-me lá se é relevante o tempo gasto na viagem?
Outro aspecto que me incomoda é saber que a linha do norte sofreu obras de requalificação no valor estimado de 120 milhões de contos, para adaptação a comboios de alta velocidade tipo pendular e deixaram as obras a meio, não realizando a construção de algumas pontes e não rectificando o traçado em algumas curvas.
Quem já viajou no Alfa sabe que tanto corre a 200 quilómetros por hora, como desacelera, sem motivo aparente, até uns insignificantes 60 ou 80 quilómetros. É nessa linha que devia ser investido aquilo que falta, para o Alfa pendular se tornar um transporte moderno, confortável rápido e que estenda para fora do habitual corredor Porto-Lisboa.
Do Minho ao Algarve e ligação transversal a Espanha e resto da Europa é aquilo que se impõe e que é necessário. Tudo o resto são megalomanias parolas que continuam a delapidar as finanças publicas.
Em minha opinião o investimento público a realizar no TGV devia ser canalizado prioritariamente para saneamento básico, transportes públicos nas áreas metropolitanas, educação e formação profissional.
Certamente que se poderiam melhorar imenso estas áreas e ainda poupar “algum”, contribuindo para o equilíbrio do deficit publico, uma paranóia que nos entrou em casa há meia dúzia de anos.

Mas é claro que neste país, que faz Centros Culturais faraónicos, Parques de Exposições megalómanos, Casas da Musica que custam “pipas”, estádios de futebol à “fartazana” e deixam os velhinhos a viver em casas arruinadas com reformas de 200 Euros, deixam o saneamento ser lançado para os rios sem tratamentos, deixam que haja filas de espera de anos para uma simples cirurgia, não pode de modo algum defraudar as expectativas e abandonar um projecto que vai, na boca dos seus defensores, relançar a nossa economia.
Mas essas expectativas são as dos grandes grupos económicos, interessados em fornecer tecnologia e serviços para o TGV e não as minhas expectativas.
Quanto ao relançamento da economia, mais vale nem dizer nada...
publicado por Brito Ribeiro às 16:43
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07
Out 07

Quadro a óleo sobre tela, executado por Domingos Verde (Pinga), do Portinho de Vila Praia de Âncora.

 

 

publicado por Brito Ribeiro às 12:11

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