Ambiente, história, património, opinião, contos, pesca e humor

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Jul 07
O nome Ramos Pereira é por demais conhecido em Vila Praia de Âncora, embora os mais novos apenas tenham uma vaga ideia de um almirante que possui um busto na Praça da Republica e o nome em duas ruas.
Só que deliberadamente escrevi dois erros na frase anterior, erros que muitos tomam como verdade. Em primeiro lugar Jorge Maia Ramos Pereira teve como ultima patente militar o posto de contra-almirante e emprestou o seu nome à rua que liga o Largo do Sol Posto ao alto de Vilarinho, pelo Mercado Municipal.
Então e a avenida junto à praia? Essa é a Avenida Dr. Ramos Pereira, pai do ilustre militar anteriormente referido e que está quase totalmente esquecido dos ancorenses. É uma pequena nota biográfica deste homem, que vou tentar transmitir-vos.

Luís Inocêncio Ramos Pereira nasceu no Porto a 18 de Setembro de 1870 e formou-se em medicina e cirurgia na escola Médico-Cirurgica do Porto em 1897 com a tese “a cocaína na cirurgia”, mas tinha as suas raízes em Riba d`Âncora, terra natal de seu pai José Bento Ramos Pereira, comendador e benemérito, que fez fortuna no Brasil. Do casamento de José Bento com Maria Gertrudes da Silva Pereira nasceram, alem de Luís Inocêncio, mais sete filhos.
Desde muito novo que o Dr. Luís Ramos Pereira se apaixonou pelo ambiente marinho, pela náutica e pelos homens que dia a dia tiravam o sustento do mar, muitas vezes à custa da própria vida.
Casou jovem, ainda estudante com D. Cecília e deste casamento nasceram cinco filhos: a Maria Amália, o Jorge, o Guilherme, a Irene e a Dulce.
A Maria Amália casou com um oficial do exército, do qual se divorciou para casar em segundas núpcias com um cidadão inglês de apelido Lloyd, a Irene casou com um oficial do exército (coronel) de apelido Santa Clara e a Dulce permaneceu solteira.
O Guilherme nasceu com uma deficiência mental e era, mesmo em adulto, muito querido e estimado em Âncora, herdando do pai a mesma paixão pelo mar e por tudo a ele ligado.
O Jorge, ao qual me referi no inicio deste texto, seguiu a carreira náutica, atingiu o almirantado e continuou o trabalho de beneficência dos seus antepassados. 

Fosse em trabalho ou apenas a passar alguns breves momentos de descanso, era junto à praia, junto ao portinho, que o Dr. Luís podia ser encontrado, rodeado dos homens e mulheres que ele sempre ajudou até ao limite das suas forças e dos seus conhecimentos.
Naquele tempo, ainda sem o recurso dos modernos fármacos como os antibióticos, o Dr. Luís recorria muitas vezes à farmácia Brito para, com o auxílio do proprietário, fazerem os remédios possíveis. Estes remédios eram normalmente pagos do seu bolso, dados aos doentes pobres que ele visitava graciosamente e que cuidava zelosamente até estarem curados, sem necessidade de o chamarem.
Militante do Partido Republicano Português, era Presidente da Comissão Municipal de Caminha deste partido desde a época do Ulti­mato britânico em 1890.
Até à implantação da república o Dr. Luís Ramos Pereira viveu na região, deslocava-se no seu cavalo “o Peralta” e tinha avenças, quer dizer que as famílias pagavam-lhe uma importância determinada e em contrapartida tinham cuidados médicos todo o ano. Essa avença tinha o valor de 1$20 (um tostão por mês) e quando foi viver para Lisboa passou as avenças aos doutores Couto de Cerveira e ao seu amigo Laureano Brito.
A sua ida para Lisboa no início de 1911 teve a ver com a eleição de senador pelo circulo de Viana do Castelo, passando a também a exercer as funções de médico dos Caminhos de Ferro do Sul e Sudeste e, a partir de Novembro de 1910 exercer as funções de adminis­trador, por parte do governo, junto da Companhia do Niassa. Mesmo com todos estes afazeres políticos e profissionais, continuava a visitar com frequência Gontinhães, aproveitando o facto de nada pagar na viagem de comboio.
Era durante estas permanências no norte que, em vez de descansar, percorria infatigavelmente as casas dos seus doentes ou acorria lesto a uma qualquer chamada mais urgente.
Luís Ramos Pereira republicano, agnóstico e democrata convicto, exerceu o cargo de senador para o qual foi sucessivamente eleito até ao 28 de Maio de 1926, excepto durante o advento de Sidónio Pais. Apesar de ser agnóstico mantinha relações de amizade com vários clérigos e tinha uma posição de total tolerância perante os credos religiosos.
Foi durante breve período de tempo, médico municipal em Coimbra, em Paredes de Coura (1903-1904) e inspector da Procuradoria Central de Lisboa. 

Em 1918 com o surto da gripe pneumónica o Dr. Luís ao saber que a epidemia alastrava perigosamente no Vale do Âncora, abandonou Lisboa, hospedou-se na casa do Ramos dentista e durante meses, voluntariamente e à sua custa, prestou a assistência possível aos doentes que diariamente eram infectados com tão gravosa doença e que tantas mortes causou.
Alem dos doentes da zona teve ainda que socorrer outros que ficaram sem assistência devido aos médicos que os tratavam terem contraído, também eles, a pneumónica. Foi o caso das freguesias de Afife, Carreço, Moledo e até Caminha, às quais ele ia de bicicleta ou de comboio, sem horas para comer ou para regressar.
São conhecidas histórias deste abnegado médico nas quais ele ao entrar em casa de algum doente, pede um copo de leite e um pouco de pão para lhe aliviar a fome e lhe dar forças para mais algumas visitas.
Durante a pneumónica um dos tratamentos que prescrevia com frequência, quando haviam febres altas, consistia em embrulhar o doente numa manta encharcada de água fria, para de seguida o abafar em cobertores até suar.
Fosse do tratamento, fosse do ânimo que incutia aos doentes, fosse dos remédios que oferecia aqueles que nem dinheiro tinham para o pão, o certo é que muita gente lhe ficou a dever a vida, apesar das inúmeras mortes que a pneumónica causou nesta região.
 
Enquanto senador da República teve sempre um papel de influência junto das instâncias governamentais e foi graças a ele e a perseverança de mais alguns ancorense como o Dr. Laureano Brito e Pinheiro de Azevedo que se conseguiu financiamento para construir a avenida marginal que mais tarde teria o seu nome.
Mas outras obras e melhoramentos foram conseguidos com a sua influência junto do governo da república como a abertura da delegação marítima, o salva vidas e o serviço de socorros a náufragos, o posto da GNR e a elevação de Gontinhães a vila.
Não foi só para o Vale do Âncora que ele conseguiu influenciar as vontades políticas de Lisboa. Conseguiu importantes financiamentos para o Hospital da Misericórdia e para a Congregação da Caridade de Viana entre muitas outras iniciativas, sendo distinguido como benemérito destas instituições e figurando nas respectivas galerias de honra ao lado nomes como Rocha Paris, Manuel e José Espregueira ou Ernesto Júlio Goes Pinto.
Foi sócio (nº 1) fundador do Clube Afifense, percursor do actual Casino Afifense e médico desta associação até se radicar em Lisboa (1911) onde também exerceu de forma gratuita e por comissão, o cargo de Provedor da Assistência de Lisboa.
Tal como o seu pai, também o Dr. Luís Ramos Pereira foi agraciado com a Comenda da Ordem de Cristo. 

Faleceu em Lisboa a 24 de Julho de 1938 e foi sepultado por sua expressa vontade em Vila Praia de Âncora. O féretro viajou para norte de comboio e foi testemunha de grandes manifestações de pesar, ao passar nas freguesias de Carreço e Afife.
Em Vila Praia de Âncora as bandeiras baixaram a meia haste e os candeeiros de iluminação pública foram decorados com crepes negros, sendo a urna transportada em ombros por muitos daqueles que ele tinha tratado e ajudado em vida.
No cemitério local, a lápide tumular do seu jazigo de família, diz apenas, “Ramos Pereira entre amigos”.
 
publicado por Brito Ribeiro às 20:06
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