Ambiente, história, património, opinião, contos, pesca e humor

07
Set 22

No passado mês de Agosto despedi-me de uma fase da vida que singrei durante 46 anos.

Desde os longínquos 19 anos de idade, quando abandonei os estudos e fui trabalhar com o meu pai, que passou a ser o meu primeiro e exigente patrão, passei a contribuinte líquido do orçamento da Segurança Social e do Ministério das Finanças.

Depois, outros patrões, outros negócios, outros rumos conduziram-me até à atualidade, passando de contribuinte pagante, a pensionista que continua pagante de quase tudo.

Ao longo destes 46 de trabalho, encontrei de tudo, gente boa, gente indiferente e gente má. Dos primeiros e dos últimos não me esqueço; dos indiferentes o tempo se encarregará de os fazer esbater da memória.

A todos, desejo muita saúde e muitas felicidades. Os bons ficarão sempre no meu coração; os maus, que felizmente são muito poucos, espero que NÃO lhes caia um piano de cauda em cima dos cornos...

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publicado por Brito Ribeiro às 12:47
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01
Set 20

E de repente o país acorda focado na Festa do Avante. Um tremor de terra não provocaria tanto ruido. Não chegavam os negacionistas do COVID, como agora ainda temos de levar com os alarmistas do COVID.

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Devo dizer que sou contra qualquer evento que ponha em risco a saúde pública, por isso acho que a suspensão de um qualquer evento político não é um atentado à democracia ou às liberdades constitucionais. A corrupção, o nepotismo e o caciquismo é que são atentatórios à democracia e à Constituição da República de Portugal.

Estamos na fase ziguezagueante típica do aproximar de eleições, de políticos chicaneiros ou de competência duvidosa. Entre o percurso sinuoso da DGS (parece o alter ego da OMS), com avanços, recuos, dúvidas e caixinhas, ou as declarações papagueantes do presidente Marcelo, impunha-se que o líder do governo traçasse um rumo para o país real, baseado em critérios claros e entendíveis.

O que temos visto tem sido de uma frouxidão alarmante com casos de violação claro das regras de confinamento, seja em ajuntamentos espontâneos de jovens, seja nos transportes públicos, nas esplanadas, em Fátima, em jantares políticos do chega, em regabofes de determinados bairros onde a polícia é corrida à pedrada, etc.

A reentrada política a que gostava de assistir, passava por um António Costa com eles no sítio para dizer “não” quando fosse caso disso, com ministros que falassem menos e decidissem mais, que antecipassem consequências para não andarem estupidamente a correr atrás do prejuízo e a justificarem o injustificável com desculpas esfarrapadas.

publicado por Brito Ribeiro às 11:33
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16
Jun 20

Centeno quer ser Governador do Banco de Portugal, um lugar que ao longo dos anos foi sendo desprestigiado pela (não) actuação dos seus governadores. Hoje a reputação de Governador do Banco de Portugal está pelas ruas da amargura. Melhor dizendo: na merd…!

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Mas Centeno quer ser Governador. Porquê? Pelo salário mensal de 16926.82 Euros, mais umas alcavalas, pó-pó incluído? Não é de desprezar, mas também não acredito que seja só pelo dinheirinho.

A história recente do Banco de Portugal é deprimente, senão vejamos: Enquanto entidade fiscalizadora, deixou rolar na roubalheira da quadrilha do BPN (aquela que metia, entre outros, ex-ministros do PSD), do Banco Privado e do Banif, não contestou a idoneidade de Ricardo Salgado no BES, em 2014. Não pôs em causa a idoneidade de Isabel dos Santos e Teixeira dos Santos, no Eurobic, nem tão pouco da Sonangol, segundo maior accionista do BCP. A postura dos últimos Governadores são de pura distração, deixa fazer e depois logo se vê.

Um Governador demasiado distraído não será a postura de Centeno. Mesmo que um salário chorudo pareça justificar qualquer distração, a alta finança, os ladrões e trafulhas encartados deste país, não estão nada confortáveis com a ideia de Centeno sentar-se na cadeira de Governador do Banco de Portugal.

publicado por Brito Ribeiro às 15:49
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15
Jun 20

Acerca da ampliação do cemitério de Vila Praia de Âncora, importa, antes de mais conhecer um pouco da sua história e o que esteve na sua génese. Já abordei esta temática há alguns anos aqui, mas não é demais reforçar o assunto.

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Estavamos no final do século XIX quando a freguesia de Gontinhães, foi novamente assolada por mais uma epidemia, desta vez de varíola, que em 1895 originou nova crise de mortalidade, principalmente junto das classes mais vulneráveis. Cerca de 60% dos óbitos registaram-se na zona ribeirinha e as classes mais atingidas foram os pescadores, criados e jornaleiros.

Tendo o padre Manuel José Gonçalves escrito na época “Todo o verão de 1895, especialmente nos primeiros meses de abril, maio, junho e julho, grassa em Gontinhães (praia d’Âncora) as epidemias de bexigas, e tifo ou difteria, atribuídas aos maus cheiros dos estrumes do mexelhoado ou “patêlo”, que por ali se costuma empregar como estrume (…) e que tem vitimado grande quantidade de vidas.”

As autoridades administrativas do concelho deliberaram então que este estrume depois de colhido no mar, fosse imediatamente enterrado a um palmo de profundidade, em vez de ficar a secar ao sol como era habitual.

Em 2 de maio de 1895, o Administrador do Concelho, alerta que “grassa com grande intensidade a epidemia da varíola (…) e que a continuação dos enterramentos no adro da igreja pode alterar a saúde pública (…) pede em vista do exposto, que com a maior urgência seja adquirido o terreno para a construção do cemitério da paróquia”.

É então que a 16 de maio de 1895, o Governo Civil de Viana do Castelo apoia a posição do Administrador do concelho e insiste que a “urgência daquelas obras é tal que não pode deixar de chamar a atenção da Câmara sobre o assunto, esperando a bem da salubridade pública lhe dará toda a atenção (…) evitando a prejudicial acumulação de cadáveres que se dá no adro da respetiva igreja e que na presente ocasião se torna um foco de epidemia.

A Câmara de Caminha aprova de imediato a aquisição dos terrenos necessários para a construção do cemitério de Gontinhães.

Porém, o tempo vai passando e é a Junta de Paróquia local que se vê forçada a avançar para a compra dos terrenos (886 m2) tendo de contrair empréstimos e lançar derramas para financiar a obra, que é inaugurada em 1897, sendo o alçado principal trabalhado pelos canteiros ancorenses e o portão e gradeamento da responsabilidade do forjador Rafael Francisco Martins Pinheiro, ancorense, republicano, com oficina no Lugar da Rocha e falecido em 1911.

Quando o actual executivo da Junta de Freguesia de Vila Praia de Âncora fica desagradada com o facto da Câmara Municipal de Caminha não apoiar a ampliação do cemitério ancorense, deveria olhar para trás (para a nossa história) e verificar que já é costume isso acontecer.

Dirão alguns que a obra do cemitério é um investimento que se paga rapidamente com a venda das sepulturas. É verdade, mas sou contra esta lógica de “quem tem dinheiro compra”, porque entendo que este é um sector de investimento exclusivamente público e deve ser acessível a toda a população.

Tanto mais que a Câmara Municipal gere o cemitério de Caminha, ao contrário de todas as outras freguesias do Concelho.

 

 

publicado por Brito Ribeiro às 12:17

25
Abr 20

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Agora que estamos mais tempo em casa, vemos mais televisão e ouvimos mais notícias, seguimos quase com fervor de telenovela, os disparates diários dos presidentes dos EUA e do Brasil. Inacreditável!

Como é que imbecis deste calibre chegam à presidência de dois países, que no seu conjunto representam mais de 500 milhões de almas.

Dou um suspiro de alívio porque no meu cantinho à beira mar, temos um estado que funciona, embora com algumas deficiências e temos uma classe política que tem demonstrado responsabilidade e sentido de estado. Bem sei há quem enferme de alguns vícios e insuficiências de caracter, mas regra geral tem dado conta do recado.

Por vezes dão uma no cravo, outra na ferradura, mas também ninguém estava preparado para uma pandemia destas.

O que interessa é que todos estão a dar o seu melhor, as autarquias, o governo, a Assembleia da República e a Presidência. Temos sorte porque a oposição tem sentido de estado e ao contrário de Espanha, não tem entrado em querela de baixa política, sem polémicas inúteis e sem chicana.

Os políticos da nossa praça estão a dar agora, um bom exemplo, uma lição sobre a postura que deviam sempre ter (e não tiveram nas ultimas décadas), na preocupação em salvar vidas, na busca de melhores soluções para a saúde e para a economia.

Todos estamos ansiosos com o dia de amanhã, temos dúvidas se a vida volta ao que era antes e se as medidas de mitigação e recuperação, que vão sendo anunciadas a conta-gotas serão suficientes. De certeza que vão continuar a ser ajustadas, com mais ou menos envolvimento da União Europeia, pois o que está anunciado hoje, não chega.

Se Portugal tem uma situação sanitária que já é uma referência na Europa, deve-o a todos, ao povo que acatou as recomendações das entidades públicas e ao pessoal da saúde. Deve-o SNS que tantos (os tais que hoje estão calados) quiseram destruir, vender, alienar e entregar aos privados.

A economia que dava passos de retoma e crescimento vê-se confinada, parada e em muitos casos falida. Tem de ser ajudados, pois claro, mas com precaução e de olho alerta, porque as vigarices não estão de quarentena.

Portugal não vai cair, vamos erguer-nos de novo como tantas vezes já o fizemos ao longo de 900 anos de história.

Apesar de tudo tivemos sorte, porque se esta pandemia tivesse chegado cinquenta anos antes, face ao estado decrépito da saúde pública, do atraso cultural e inexistência de políticas de acção social, só tínhamos duas garantias, a ocultação informativa por via da censura e as valas comuns.

Pois é, referi-me a “antes” do 25 de Abril, antes de 1974. Longe vão esses tempos…

Mas também dou por mim a pensar que tivemos sorte não ter existido esta pandemia há meia dúzia de anos atrás, quando tínhamos no governo Passos Coelho e Paulo Portas e na Presidência Cavaco Silva.

Isso é que era mesmo azar!

 

Fiquem todos bem. 25 de Abril, sempre!

publicado por Brito Ribeiro às 12:47
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08
Mai 18

Grande reportagem dos jornalistas João Santos Duarte, Jaime Figueiredo e Carlos Paes, sobre o navio Atlantida, que custou quase 70 milhões de euros aos portugueses e levou ao fundo os Estaleiros Navais de Viana do Castelo. O artigo foi publicado no jornal Expresso e conta toda a história do navio rejeitado ao longo de dez anos, e que agora começa uma nova vida na Noruega.

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 “Hurtigruten” é hoje em dia o nome da maior empresa de transportes marítimos noruegueses. Apesar de nas últimas décadas ter apostado mais na rentabilidade das viagens turísticas, os seus navios continuam a cumprir a importante missão de transportar correio e mercadorias entre várias localidades na costa do país. Mas a empresa quer continuar a crescer para norte e aumentar a capacidade de transporte de passageiros e exploração no círculo polar ártico. Só que a Hurtigruten tinha um problema. Se encomendasse a qualquer estaleiro a construção de um navio de raiz teria de esperar entre dois a três anos até o ter operacional, o que era demasiado tempo. Foi assim que pôs os seus intermediários à procura à volta do mundo para encontrarem um navio que pudesse servir os objetivos da empresa e, mais importante do que isso, estar operacional e a fazer cruzeiros no espaço de apenas 18 meses. Acabaram por encontrar a solução em Viana do Castelo, numa embarcação que estava parada há anos, mas que tinha tudo para ser adaptada num navio que pudesse seguir rumo às águas geladas do norte.

 

"Estivemos meses a estudar o barco e chegámos à conclusão que conseguíamos transformar esta embarcação exatamente no navio de que tínhamos necessidade", declarou Danniel Skeljdam, CEO da Hurtigruten. A Hurtigruten formalizou a compra do referido navio em julho de 2015 e os trabalhos de reconstrução teriam início em dezembro. Ficaram terminados no início de junho. A empresa cumpriu assim o objetivo de ter menos de 12 meses entre a entrega da embarcação e conseguir de facto colocá-la ao serviço, o que permite avançar mais rapidamente com o plano de expansão para o Ártico. Em entrevista ao Expresso, o CEO da Hurtigruten, Dabiel Skjeldam explica como um navio que nunca chegou a ser aproveitado em Portugal, e que custou milhões de euros aos contribuintes, se tornou na escolha perfeita para a empresa norueguesa. E deixa rasgados elogios ao barco que foi construído nos Estaleiros Navais de Viana do Castelo.

 

Agora batizado “MS Spitsbergen” - em honra da maior ilha do arquipélago de Svalbard, onde Richard With iniciou há mais de 100 anos as suas atividades de exploração pelo Ártico -, o navio é, na verdade, o “Atlântida”, que parece estar sob uma maldição há uma década, desde que começou a ser projetado. O novo “cisne do gelo” da frota da Hurtigruten foi ao longo dos anos o patinho feio, enjeitado por todos, desde o governo regional dos Açores - que o encomendou em primeiro lugar - à Venezuela, ainda no tempo de Hugo Chávez, ou a empresa portuguesa de cruzeiros “Douro Azul”, o último dono da embarcação antes de passar para mãos norueguesas. Tem sido, até ao momento, o “navio indesejado”, envolto por várias polémicas em Portugal, num processo que está ainda longe de estar esclarecido.

 

9 de abril de 2009. Se há uma data central em todo o processo do navio “Atlântida”, este é o dia que acaba por ser decisivo. Atualmente presidente do Governo Regional dos Açores, Vasco Cordeiro era, à altura, secretário regional da Economia e foi ele quem deu nesse dia a conferência de imprensa em que o executivo açoriano anunciava a rescisão do contrato com os Estaleiros Navais de Viana do Castelo para a construção de dois navios que deveriam fazer a ligação entre as ilhas: o “Atlântida”, que já estava construído à altura, e o “Anticiclone”, cuja construção já estava a ser preparada nos estaleiros. Em causa estava o não cumprimento do caderno de encargos. O “Atlântida” não tinha sido entregue na data prevista (que era um ano antes) e não atingia a velocidade pretendida.

 

O que agora já poucos recordam é que essa decisão surgiu apenas vinte dias depois do Tribunal de Contas ter questionado as alterações que o armador, a empresa regional “Atlânticoline”, exigiu ao projeto inicial. Os navios haviam sido adjudicados em 2006 por uma verba a rondar os 50 milhões de euros, no somatório de ambos. Mas as alterações propostas encareceram o projeto em mais 11,2 milhões de euros. No caso do “Atlântida”, as mudanças, exigidas pelo armador já quando a construção estava em curso, passaram, entre outras medidas, pela duplicação do número de suítes e de alguns camarotes.

 

As alterações tiveram um impacto estrutural decisivo no navio. Consideravelmente mais pesado após a introdução de uma cinta de lastro, não chega a atingir nos testes de mar os 19 nós (cerca de 35 km/h) contratualizados inicialmente. Mesmo com os motores a funcionar a 100% da potência, fica-se pelos 17,78. Ainda assim, muitos especialistas consideram que a situação não seria impeditiva para que o ferry pudesse ser usado para fazer a ligação entre as ilhas. Num relatório de 2009 elaborado por dois especialistas do Instituto Superior Técnico de Lisboa, Carlos Guedes Soares e Manuel Filipe Ventura, lê-se que, “apesar de formalmente a Atlânticoline ter razão quando pede a resolução do contrato por incumprimento da velocidade mínima contratual, não se pode deixar de estranhar a sua indisponibilidade para procurar uma solução negociada”. Os peritos consideram ainda que a diferença de velocidade em causa “não será muito relevante para as pequenas distâncias entre ilhas”.

 

No final de 2009 o Tribunal de Contas produziria um segundo relatório em que se pronuncia sobre o caso. De acordo com o TC, “as autorizações de modificação (aos projetos iniciais), por não serem enquadráveis no regime de trabalhos suplementares, foram tipificadas como infrações financeiras de natureza sancionatória”. Os administradores da “Atlânticoline” que as autorizaram safaram-se com o pagamento de uma multa. Sendo que, após cancelar o contrato com os estaleiros, a empresa regional fechou um contrato por ajuste direto, com uma empresa estrangeira, para fretar dois navios por dois anos para fazer o transporte entre ilhas. Verba a pagar: mais de 20 milhões de euros.

 

Um outro relatório, elaborado na altura por um assessor da Empordef - a empresa pública que estava responsável pela gestão dos estaleiros - aponta no entanto também deficiências na forma como o próprio construtor geriu todo o processo. Indica que os estaleiros acabaram por aceitar prazos de construção que não eram realistas, não validaram tecnicamente o projeto básico de construção que tinha sido feito pela empresa russa Petrovalt, e deixaram ainda passar as alterações pedidas pela “Atlânticoliine” sem terem em conta o impacto que as mesmas iriam ter na estrutura do navio e na velocidade.

 

No final de tudo, os estaleiros seriam obrigados a devolver aos Açores 32 milhões de euros que já tinham sido pagos (devolução que, aliás, foi financiada com uma ajuda do Estado que viria a ser considerada ilegal). A essa verba acresceram as indemnizações pelo atraso na entrega da embarcação e o incumprimento do contrato, que atirariam o valor total a pagar à “Atlânticoline” para os 40 milhões de euros. Os estaleiros de Viana foram obrigados a pedir um empréstimo para fazer face às obrigações e aumentaram ainda mais o seu endividamento global. Só em setembro de 2014 a dívida com os Açores seria finalmente saldada, com o pagamento de uma última tranche de 7,85 milhões de euros.

 

O caso foi alvo de uma comissão parlamentar de inquérito, cujo relatório seguiu para a Procuradoria-Geral da República. Em julho de 2014, a comissão concluiu que a rejeição do navio Atlântida por parte do Governo Regional Açoriano representou a “certidão de óbito dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo”. Contas feitas, com a devolução do dinheiro, as indemnizações por incumprimento de contrato, os juros e os custos de manutenção de um navio que acabaria por ficar parado sem qualquer uso, o buraco ascendeu a 70 milhões de euros. Isto num negócio efetuado entre duas empresas públicas, e numa altura em que o governo regional até estava politicamente alinhado com o continente. À frente do executivo açoriano estava o socialista Carlos César. O primeiro-ministro era José Sócrates.

  

A 24 de outubro de 2010 Hugo Chavez visita o navio Atlantida em Viana do Castelo e fica entusiasmado com a qualidade da construção, garantindo ter projetos ambiciosos para a embarcação. Seria a pedra de toque de um novo turismo social, o turismo do povo, ao bom estilo da revolução socialista do líder venezuelano. “Eu quero meter todos esses meninos pobres de La Guaira, as famílias mais pobres, no tremendo ferry, a classe média também. São 800 pessoas. Aí está um modelo do ferry que já pronto está a partir de Portugal. Esta será uma linha de ferry de turismo popular, turismo venezuelano”, afirma ainda em Portugal. Mas não é só o Atlântida que está na calha. “Uma linha são três, quatro ou cinco ferries”, sublinha Chávez. No ar fica a hipótese de alargar os negócios com os Estaleiros Navais de Viana do Castelo. E de a Venezuela comprar igualmente o “Anticiclone”, a outra embarcação que tinha sido encomendada pelo Governo Regional dos Açores. Está ali, pensam todos, uma tábua de salvação para o gigantesco buraco que fora criado. Mas não foi nada disso que aconteceu.

 

Em fevereiro do ano seguinte há aparente fumo branco: o governo venezuelano anuncia que vai comprar o Atlântida por 42,5 milhões de euros. Os meses passam mas não há qualquer desenvolvimento no negócio. Até que, em novembro, a Empordef admite finalmente que Caracas desistiu da compra. O único “Atlântida” que Chávez levou para a Venezuela foi uma réplica do barco em miniatura que lhe havia sido oferecida na passagem por Portugal. O navio verdadeiro já tinha entretanto rumado a sul, à Base Naval do Alfeite, em Almada, onde aguardava para seguir para a América do Sul. Acabaria por ficar três anos parado no mesmo sítio.

 

O tempo passou sem que ninguém estivesse interessado na compra do navio. A 11 de março de 2014, a administração dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo lançou um concurso público internacional para tentar vender o Atlântida. Não foi estabelecido qualquer preço mínimo. E foi assim que um navio que tinha sido avaliado em 50 milhões de euros acaba por ir, na prática, a um leilão do tipo Ebay, cujo único critério é a melhor oferta que seja posta em cima da mesa.

 

O concurso é ganho pela empresa grega Thesarco Shipping. O armador oferece 13 milhões de euros, a melhor de três propostas. Pensa-se que o Atlântida teria novo futuro, desta vez na Grécia. Mas tal nunca chega a acontecer. A empresa é notificada duas vezes da decisão favorável no concurso público, mas, por razões que nunca ficaram bem esclarecidas, não chega a dar os passos necessários para a formalização do contrato. O barco passa para a segunda melhor oferta.

 

A Mystic Cruises tinha sido criada em 2011 pelo grupo Douro Azul, do conhecido empresário portuense Mário Ferreira. O objetivo era internacionalizar a empresa, até aí conhecida pelos cruzeiros no rio Douro, e apostar no mercado de cruzeiros fora de portas. A empresa tinha ficado longe da melhor oferta no concurso, mas com a desistência dos gregos passou a ter o direito da opção. E foi assim que Mário Ferreira arrematou o Atlântida por 8,75 milhões de euros, pagos com capitais próprios, garante o empresário (na altura, o navio já estava depreciado e avaliado em 29 milhões de euros no relatório e contas dos Estaleiros relativo a 2012, quando deveria ter rendido inicialmente 50 milhões).

 

O contrato de compra e venda do navio foi assinado em setembro de 2014 entre o Estado Português, representado pela comissão liquidatária dos Estaleiros de Viana do Castelo, e a Douro Azul. No mesmo mês, o navio regressaria aos estaleiros, cuja concessão tinha agora sido entregue à Martifer, para ser remodelado. Mário Ferreira iria gastar seis milhões de euros em obras de remodelação que iriam transformar o ferry num cruzeiro de luxo a operar na Amazónia, a partir do início de 2016.

 

Mário Ferreira é um daqueles homens de negócios que nunca perdem uma oportunidade para fazer dinheiro. Terá percebido cedo que o que tinha ali em mãos era umas dessas oportunidades. Alguns meses depois da compra do navio lança um comunicado de imprensa em que anuncia uma inversão completa nos planos iniciais. “A qualidade técnica e operacional do navio Atlântida não passou despercebida a vários operadores internacionais que contactaram a Douro Azul no sentido de, em parceria ou individualmente, darem um novo destino à embarcação”,

 

Chegaram a ser avançadas várias hipóteses na altura. No total existiriam nove interessados de todas as partes do mundo: Austrália, Singapura, Estados Unidos, Grécia, Espanha, Malta, África Ocidental… Mas Mário Ferreira acaba por acertar a venda do barco para a Noruega, para a empresa de cruzeiros Hurtigruten, num negócio que passou por vários intermediários. A imprensa avança na altura que o negócio terá sido feito por 17 milhões de euros, o dobro do valor pelo qual o navio foi comprado. O empresário nunca chega a confirmar a verba. Apenas que lucrou bastante com isso.

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Em 2016 cinco inspetores da Polícia Judiciária chegam aos estaleiros Navais de Viana do Castelo e dirigem-se ao gabinete que a Empordef ainda mantém nas instalações. Procuravam, entre outras coisas, documentos da venda do Atlântida em setembro de 2014 à Mystic Cruises, de Mário Ferreira. A 29 de abril deste ano era lançada para o terreno a Operação “Atlantis”. Envolve 30 inspetores da Unidade de Combate à Corrupção da Judiciária, cinco procuradores, dois juízes de instrução criminal e dois juízes desembargadores. Além de Viana do Castelo, decorrem ainda buscas nas instalações da Douro Azul e em outras duas casas do empresário, e nas instalações do Ministério da Defesa, em Lisboa. “Em causa estão factos relacionados com a subconcessão dos Estaleiros Navais de Viana e a venda do navio Atlântida”, informaria mais tarde a Procuradoria-Geral da República em comunicado. As autoridades investigam a eventual prática dos crimes de administração danosa, corrupção e participação económica em negócio no âmbito da gestão de estaleiros. Mas, até este momento, ninguém foi constituído arguido.

 

O empresário foi rápido a reagir. “Quem não deve, não teme.” E defende que é preciso investigar, isso sim, quem construiu o navio e quem acabou por o rejeitar. Como se explica afinal que um privado tenha comprado um navio ao Estado português a preço de saldo e que nem um ano mais tarde o tenha revendido a outro privado alegadamente pelo dobro do valor? Porque não conseguiu a comissão liquidatária dos Estaleiros fazer essa mais-valia com o navio? Mário Ferreira não tem dúvidas em falar de incompetência. “Ainda tivemos muito trabalho para o preparar, licenciar e certificar, porque ele não estava certificado. Se tivessem feito esse trabalho e o tivessem certificado, poderiam ter vendido o navio por muito mais.”

 

Este ano, a Atlânticoline vai gastar 5,6 milhões de euros para fretar dois navios que façam o transporte entre as ilhas açorianas de 28 de abril a 25 de setembro. A empresa planeia adquirir embarcações próprias, mas ainda deverá ter pela frente pelo menos mais dois anos a fretar navios. Em fevereiro de 2014, a Atlânticoline lançou um concurso público internacional para a construção de dois navios, no valor de 85 milhões de euros. Os navios teriam  capacidade para transportar 650 passageiros e 150 viaturas e atingir a velocidade de 25 nós. O concurso acabaria por ser anulado. O motivo? Nenhum dos estaleiros candidatos reuniu “todas as exigências do caderno de encargos”.

 

Entre 2006 e 2014, ano em que o Atlântida foi vendido a um privado, as contas públicas ficaram lesadas em vários milhões de euros…  Indiferente a todas estas polémicas, o Atlântida começa agora finalmente uma nova vida na Noruega - e com um novo nome. Depois de ter sido comprado em julho de 2015, o Atlântida seguiu para o norte da Europa e passou ainda três meses na Suécia, onde, em conjunto com a empresa sueca Tillberg Design, foi estudado o processo de remodelação de interiores do navio. No final desse ano rumou aos estaleiros da Fosen Yard, em Rissa, na Noruega, onde passou todo o inverno a ser reconstruído, em conjunto com outros dois navios da frota da Hurtigruten.

 

A reestruturação foi profunda e dispendiosa. Mas, à semelhança dos valores envolvidos na compra, Daniel Skjeldam recusou igualmente revelar ao Expresso o dinheiro que foi gasto na transformação. “Apenas lhe posso dizer que investimos nele uma verba muito substancial.” A nível estrutural, o barco sofreu várias alterações, sendo agora um quebra-gelo preparado para navegar em águas polares. Os decks também foram remodelados e o espaço que estava destinado à garagem para os carros alberga agora camarotes, um hospital e ainda um “deck de expedição”. É que além dos passageiros, o navio vai levar a bordo uma equipa com oito cientistas de várias áreas, que poderão fazer investigação e dar palestras aos passageiros sobre vários pontos de interesse no Ártico.

 

A empresa garante que o navio é moderno e amigo do ambiente e que foram introduzidas alterações para reduzir ainda mais as emissões poluentes e o consumo de combustível. A popa do navio também teve mudanças e conta agora com um ginásio, sauna e jacuzzi ao ar livre, onde os passageiros poderão relaxar num ambiente descontraído. Quanto aos novos interiores do navio, a inspiração foram as deslumbrantes paisagens escandinavas. Predominam os azuis do mar e dos fiordes e o branco das paisagens geladas, num estilo moderno e elegante. Muitos dos materiais são naturais, como madeira, ardósia e couro.

 

Dez anos depois de o projeto ter sido lançado, o navio que Portugal rejeitou - mas que os contribuintes portugueses acabaram por pagar a peso de ouro - vai finalmente ter um uso. Mas continuarão a ser muitas as interrogações que pairam sobre o seu passado (e sobre certas decisões tomadas por pessoas que ocupavam e ocupam importantes cargos políticos).

publicado por Brito Ribeiro às 11:00

05
Jun 16

Com mais uma época estival à porta, a “Praia das Crianças” espera os seus utentes, miúdos e graúdos que vem descansar e gozar as delícias do sol, das águas frescas do Atlântico e da brisa fresca do quadrante norte. Assim o permita o S. Pedro, não nos brindando com aquelas nortadas tão características ou pegajosos e tristonhos nevoeiros.

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A Bandeira Azul que irá ostentar no alto do mastro maior, representa não só a boa qualidade das águas balneares, como também o esforço conjugado que tem sido feito nos últimos anos para controlar os parâmetros sanitários das águas do Rio Âncora.

No entanto o galardão alcançado não pode enquistar à volta da qualidade das águas e dos equipamentos legalmente exigidos, mas ser mais abrangente, nomeadamente às condições de acessibilidade e à qualidade e limpeza das areias. E aqui reside a razão do meu reparo de hoje. O areal entre o “Redondo” e o “Cais Sul”, lugar conhecido entre os Ancorenses por “Moureiro”, não tem a qualidade a condizer com os pergaminhos da “Praia da Crianças”.

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Antes da construção dos molhes do novo Porto de Mar, toda a zona do “Moureiro” era invadida pelo mar nos meses de inverno que trazia e levava areia consoante as condições momentâneas da dinâmica costeira. Assim a areia era lavada, expurgada de poeiras e outros resíduos, pronta a ser utilizada no verão seguinte sem reparos de maior. A crítica que mais se escutava era, por vezes, que o mar não repunha areia suficiente e as pedras ficavam à vista pelo meio do areal. Nada a que os veraneantes não estivessem habituados.

Hoje em dia a situação é diametralmente diferente, pois a areia foi-se acumulando e já não é “sovada” pelo mar, devido ao efeito de corte/desvio de ondulação proporcionado pelos novos molhes. De ano para ano nota-se mais poeira no areal, perdeu o característico tom brilhante e em dias de vento é um suplício com nuvens de poeira no ar. Outro sinal preocupante é a facilidade com que surgem no areal pequenas plantas, sinal inequívoco de condições de colonização vegetal, algo que não era suposto haver naquele local.

Em minha opinião, já se deviam ter implementado medidas minimizadoras deste fenómeno, baixando mecanicamente o perfil da praia em cada outono, de modo a que o mar faça as suas investidas invernais e proceda à remoção das poeiras (ou “finos”) acumuladas, trazendo na primavera seguinte areias devidamente higienizadas.

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Além disso, da maneira como a praia está neste momento, com a areia, em vários pontos, quase ao nível da avenida marginal, corre-se o risco de num dia de temporal, com mar de sudoeste, este galgue o paredão, invada a via pública e o casario, provocando danos de vulto. Calculo que o nível da praia neste local tenha subido em média entre 1,5 m e 2 metros.

Termino como como comecei, referindo a satisfação pela qualidade das nossas águas balneares, que levaram à conquista da Bandeira Azul Europeia. Vamos lá a ver se não a perdemos pela falta de qualidade/higiene do areal…

 

 

publicado por Brito Ribeiro às 16:49

14
Fev 16

Há um ano atrás escrevi nas páginas da revista "Vale Mais" um artigo sob o título “A impermeabilização dos solos”, no qual apontei algumas consequências daí decorrentes, bem como do estrangulamento ou supressão das linhas de “águas bravas”. O que aconteceu recentemente na vila de Albufeira, no Algarve, foi uma lição eloquente sobre os erros de ordenamento de que grande parte dos municípios é fértil, designadamente os do litoral.

Hoje em dia, começa a alterar-se o paradigma dos projectos relacionados com infra-estruturas básicas, não passando tanto pelas extensões de rede, mas pela correção de erros anteriores e substituição de materiais desapropriados ou obsoletos. No entanto, falta coragem e meios para atacar o problema pela raiz, porque iria colidir com interesses de poderosas empresas ou instituições, com direitos adquiridos e com uma lei, que na maior parte das vezes não defende o Estado, nem a causa pública.

Mais que encontrar desculpas esfarrapadas para consumo mediático, tais como as alterações climáticas (que existem, sem dúvida), é necessário tomar consciência que a culpa pertence ao homem que provoca o desequilíbrio ambiental do planeta, com o somatório de pequenas interações isoladas que todos conhecemos. A fábrica que produz resíduos tóxicos, o efluente de saneamento descarregado no ribeiro, a barragem que alterou o ecossistema regional, o porto de mar que modificou a dinâmica costeira, o entubamento do riacho para facilitar a urbanização, o fogo florestal que destruiu o pulmão da região e provocou a erosão do solo ou o aumento exponencial do trânsito automóvel, são apenas alguns exemplos de questões que nos devem preocupar e que tem de entrar nas agendas políticas dos governantes.

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No caso concreto da Bacia Hidrográfica do Rio Minho, a poluição associada às descargas dos efluentes de saneamento doméstico e industrial, bem como a construção de 43 barragens ao longo do seu curso ou dos seus afluentes, transformaram um ecossistema riquíssimo do ponto de vista ambiental, mas também do ponto de vista dos recursos económicos, num curso de água que se debate diariamente com um conjunto de problemas difíceis ou impossíveis de ultrapassar.

Se a poluição tem vindo a diminuir fruto de investimento público em sistemas de tratamento de efluentes, a questão das barragens condiciona em absoluto o ciclo de reprodução das espécies migradoras como a lampreia, o sável ou o salmão. Destes verdadeiros ex-libris do Rio Minho, o sável está em grave declínio, o salmão está praticamente extinto, mantendo a lampreia um nível de capturas mais ou menos estável.

No momento em que escrevo este pequeno artigo, infelizmente as questões ambientais foram suplantadas por uma preocupação maior e de consequências imediatas, o terrorismo, um absurdo que está provocar uma alteração profunda na complexa sociedade da Europa e bacia Mediterrânica.

Saibamos nós dar uma resposta decente aos desafios que nos colocam.

 

 

publicado por Brito Ribeiro às 10:37

09
Fev 16

Tomei conhecimento que a Junta de Freguesia de Vila Praia de Âncora pretende adquirir uns terrenos para alargamento do cemitério. Referiram-me também, que seria necessário vender alguns terrenos que possui noutros locais para custear o investimento.

Não me choca a solução, face à urgência em tornar realidade esta obra, mas sinto um amargo de boca quando recordo que as coisas poderiam ter sido melhor delineadas, sem a visão míope do miserabilismo que caracteriza boa parte das decisões quando toca a investimentos em Vila Praia de Âncora.

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O ancestral costume de enterrar os corpos no interior das igrejas e nos adros, foi revertido, em termos de legislação, em 1835, durante o regime liberal e marca o início da secularização dos cemitérios. Porém, a adesão a esta nova disposição nem sempre foi pacífica, estando até na origem daquilo que se conhece por “Revolta da Maria da Fonte”.

Esta revolta ocorrida em 1846 e iniciada na zona da Póvoa de Lanhoso, resultou das tensões sociais remanescentes das guerras liberais, exacerbadas pelo grande descontentamento popular gerado pelas novas leis de recrutamento militar, por alterações fiscais e pela proibição de realizar enterros dentro de igrejas.

Em Gontinhães, assim se chamava a nossa terra à época, não ocorreram conflitos, porque se continuou a enterrar os defuntos no adro, mas o problema foi-se agravando até que no final do século XIX em consequência de um conjunto de surtos epidémicos que provocaram grande mortandade entre a população, ocasionando a saturação do adro da igreja matriz e a consequente falta de condições de salubridade que potenciava os riscos de contágio.

Após o surto de cólera que grassou entre 1833 e 1852, uma epidemia de varíola varreu Gontinhães em 1895, sendo 60,9% dos óbitos registados na zona litoral da freguesia. Especialmente nos meses mais quentes, as epidemias de varíola e tifo ou difteria, atribuídas aos “maus cheiros” dos estrumes do patêlo, que por ali se costumava empregar como estrume, pelo que as autoridades administrativas ordenaram que este estrume depois de colhido no mar fosse imediatamente enterrado a um palmo de profundidade. O correspondente local de “O Jornal da Manhã” refere na sua crónica sobre Gontinhães:

 “nesta freguesia há muito a fazer, particularmente no porto de pesca, e nas casas de alguns lavradores que, nada cuidadosos da sua saúde, têm as cortes dos gados vacum e suíno juntas ou por baixo dos aposentos em que habitam e dormem

Como os cadáveres eram inumados no átrio da Igreja e este já estivesse sobrelotado, o Governo Civil de Viana do Castelo exigiu à Administração da Câmara de Caminha que procedesse de imediato à aquisição dos terrenos necessários à construção do cemitério. Esta deliberou rapidamente e por unanimidade na compra 886 m2, mas será a Junta de Paróquia  de Gontinhães a efectuar empréstimos e a lançar derramas para custear a obra, que se concluirá em 1897.

Um século depois, mais ou menos há vinte e cinco anos atrás, após muitos anos de reivindicação, a autarquia caminhense financiou um alargamento do cemitério que ficou muito aquém das expectativas e das necessidades, como lamentavelmente vimos a constatar por mais uma intervenção que terá de ser feita no futuro próximo e que, recorrentemente, vai ter de ser custeada pela Freguesia e pelo seu património.

publicado por Brito Ribeiro às 16:53

08
Out 15

O início de aulas é um período de ansiedade para os alunos e professores, mas também para os pais que veem associados a este período, um incremento importante de despesas com materiais escolares.

Longe vai o tempo do Estado Novo, em que os compêndios escolares atravessavam várias gerações, mantendo-se em utilização durante décadas. Reflectia uma política conservadora, antiquada e não valorizadora da evolução da ciência e da sociedade. Nessa época, uma das características mais vincadas da política do estado no que respeita à educação, era a ausência quase total das ciências socias das matérias leccionadas.

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 Porém, no pós 25 de Abril, caiu-se no exagero e na instabilidade, com a proliferação de manuais escolares, ao sabor de influências que nada tinham de pedagógicas. Perdeu-se o velho hábito da reutilização, da transmissão do livro, de irmão para irmão, primo ou vizinho, contributo importante para uma economia familiar deprimida.

E o “vício” do período revolucionário persiste após 40 anos, sem que se perceba bem qual a razão desta imaturidade, a não ser pelos interesses do lóbi editorial escolar. Como se não bastasse essa aberração a que chamaram acordo ortográfico, que acarretou a substituição de todos os compêndios escolares e demais materiais de apoio como dicionários ou gramáticas, continua-se com a sanha consumista, obrigando pais e encarregados de educação a verdadeiras ginásticas para esticar os magros recursos sobrantes, que ainda não foram espoliados em impostos e taxas.

Que o nosso ensino está doente é algo que se sabe há muito, com culpas repartidas por todos os intervenientes, mas não é sobre isso que estamos a reflectir.

Vou dar um exemplo que me parece, no mínimo, bizarro: Há manuais escolares a serem substituídos por razões tão prosaicas como a alteração do código de barras e/ou da capa, quando o conteúdo é o mesmo. Vi isso numa reportagem televisiva e, na dúvida, questionei um livreiro que me confirmou isso mesmo. Há professores a não aceitar manuais aos alunos se não corresponderem a determinada edição, mesmo que o conteúdo seja rigorosamente o mesmo. Para terem uma ideia dos custos envolvidos, por aluno e por ano, no secundário a despesa com livros e cadernos de actividades varia entre 200 e 250€ e mesmo nos primeiros anos de escolaridade os custos aproximam-se dos 70€. Se for adicionado o custo dos demais materiais escolares como cadernos, pastas, mochilas, materiais de escrita e desenho, etc., veremos a conta a engrossar substancialmente.

É inaceitável que o Ministério da Educação, sempre tão zeloso para poupar no orçamento, não tenha uma política clara sobre os compêndios aprovados, demitindo-se do seu papel enquanto Órgão de Estado, deixando nas mãos das editoras o papel da elaboração dos manuais, limitando-se a aprová-los; existindo vários compêndios aprovados para a mesma disciplina, na prática quer dizer que num determinado agrupamento o livro X foi adoptado e no agrupamento vizinho, para o mesmo ano e disciplina pode ser livro Y.

Na minha humilde opinião isto não é pluralismo, é falta de visão estratégica e é claudicar perante os interesses comerciais das editoras, relegando para os agrupamentos a tarefa que devia competir a uma comissão científica nacional, encarregue de avaliar e aprovar os conteúdos pedagógicos para utilização em todo o território nacional, por um período de tempo razoável.

Salvaguardando as devidas distancias, diria que era preciso uma política como a do medicamento. Depois de testada e aprovada a composição do medicamento, os laboratórios que o fabricarem estão obrigados a seguir escrupulosamente aquela formulação. Na problemática dos compêndios escolares se fosse seguida a mesma orientação, teríamos um conteúdo (o equivalente ao principio activo do medicamento) estável e as editoras que estivessem interessadas na sua impressão e comercialização, fariam o seu negócio com as políticas de preços e de distribuição que julgassem mais adequadas.

Em consequência, o preço dos livros iria forçosamente baixar, porque as tiragens seriam maiores, haveria um horizonte de estabilidade e deixariam de existir despesas editoriais na elaboração contínua dos novos compêndios.

O Conselho Nacional de Educação já emitiu diversos pareceres sobre esta problemática:

“a actualização de conhecimentos não é tão célere que obrigue a que os manuais sejam constantemente actualizados; a consolidação de manuais é melhor para alunos, pais e professores”

“Essa gratuitidade total geralmente toma a forma de empréstimo no caso dos manuais escolares. Embora com modalidades diversas, a tendência para considerar que a devolução e reutilização dos manuais não só diminui a despesa do Estado como é educativa por ensinar a cuidar dos livros, a partilhá-los com os outros e a evitar o desperdício. Entende-se ainda como uma forma de aprendizagem da responsabilidade, do respeito pelos outros, pelo que é comum e pelo ambiente”.

Facilitaria a vida aos professores que podiam implementar algumas rotinas pedagógicas, aos pais que poupariam muito dinheiro e ao ambiente que pouparia muitas árvores abatidas para o fabrico do papel necessário à impressão.

Para se dar uma ideia das quantidades envolvidas, uma árvore (eucalipto) dá, grosso modo, para fabricar cerca de 15 resmas de papel A4, dependendo da gramagem do papel. A reciclagem de papel, por sua vez, consume mais energia e água, além de utilizar produtos químicos em maior quantidade para conseguir a remoção de todos os resíduos do papel já utilizado. O custo mais baixo do papel reciclado está relacionado, somente, com o menor custo da matéria-prima.

Por estes dados, vemos que a solução, para o ambiente, para a economia das famílias e para o sistema de ensino, passa pela reutilização dos compêndios escolares, sem prejuízo das necessárias e convenientes actualizações, que devem ser pensadas no médio e longo prazo e, fundamentalmente, no interesse público.

A proliferação de bancos de recolha e partilha gratuita de livros escolares, não resolvendo o problema de fundo, é um primeiro passo muito importante para os decisores políticos escutarem, finalmente, esta reivindicação.

 

 

 

publicado por Brito Ribeiro às 15:00

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