“Nem tudo o que reluz é ouro”, dizia a minha mãe, às vezes a propósito, outras vezes nem tanto. Ao fazer esta citação, à falta de outra mais apropriada, quero também atribuir o significado que há sempre duas versões (pelo menos) para a mesma “história”. E é de história que vos falo, mais concretamente da ponte rodoviária de Caminha, sobre o Rio Coura.
Encontrei duas versões com discrepâncias sobre este tema que me causam alguma perplexidade, tanto mais que estamos a referir-nos a um passado não muito distante, quando já existiam fontes documentais bastante rigorosas e acessíveis.
A versão transcrita em “Caminha através dos tempos, o movimento marítimo e outros meios de transporte” de João da Silva Santos, resumidamente, diz que até meados do século XIX a travessia do Rio Coura entre Caminha e Seixas fazia-se por barco.
Em 1844, construiu-se uma ponte em madeira, cujos pegões são construídos com a pedra das Torres da Piedade e de Vilar de Mouros, que nessa altura são arrasadas. À entrada da ponte, na margem Sul, existia uma pequena casa onde se pagava a portagem. Os peões pagavam 5 reis e os carros 400 reis, pela sua passagem. Rendia uns 1.500$000 reis anuais aos quais se acrescentava o imposto do sal, verbas que chegavam para a conservação da ponte. Mais tarde, com a abertura da via-férrea, o imposto do sal desapareceu, ficando a conservação da ponte apenas a contar com o produto da portagem.
Durante a guerra de 14/18, a portagem já era insuficiente para custear a sua conservação, tendo a Câmara entregue a ponte ao Governo. Começaram então a aparecer buracos e a atravessá-la com dificuldade, até que em Agosto de 1920 pegaram-Ihe fogo.
A partir desta data, nem sequer peões passavam e os carros tinham que ir à volta por Vilar de Mouros.
Foi então decidido construir uma nova ponte em cimento com um orçamento de 1.010 contos. Porém, a empreitada acabou por ficar por mais 400 contos que o previsto. A 14 de Agosto de 1930, voltaram a passar automóveis, ficando concluída a obra em Novembro e fazendo-se a entrega, em 2 de Dezembro de 1930.
Esta ponte ficou com duas rampas, uma à entrada e outra à saída, devido à sua subida de nível. Na antiga, de madeira, a quantidade de pegões era superior e o nível do tabuleiro idêntico ao actual.
Finalmente, já na segunda metade deste século, a ponte sofreu umas modificações, fazendo-se desaparecer as rampas.
Contudo, em “História Nossa” de Paulo Torres Bento, afirma-se que a ponte foi inaugurada em 1839, nos primórdios do liberalismo e que a sua manutenção fora sempre uma fonte de problemas para a Câmara Municipal. Após um incendio que se suspeita ser intencional em 1884, que destruiu 14 metros do tabuleiro, as condições de atravessamento vem a piorar, até que a Câmara delibera em 1905, enquanto proprietária “taxar a passagem dos automóveis na ponte de madeira sobre o Coura, em 200 reis cada passagem, e as motocicletas em 40 reis também pela passagem de ida e volta”, conforme acta da CMC de 23 de Outubro de 1905.
Em 1920 o estado ruinoso do tabuleiro obrigou a Câmara a proibir, por questões de segurança, o trânsito automóvel, sendo desviado para a ponte de Vilar de Mouros. Em 1922, após outro incendio, até o trânsito pedonal foi desviado para a ponte ferroviária a montante.
Valeria a Caminha a intervenção do senador ancorense Luís Inocêncio Ramos Pereira que em 1924 conseguiu do governo a aprovação do projecto para a reconstrução do tabuleiro em cimento armado. A obra começaria dois anos depois e após muitos atrasos seria reaberta ao trânsito automóvel em Dezembro de 1930, estatal e livre de portagem.
Num período o em que todos oferecem bonés, chapelinhos e santinhos, prometendo festarola e foguetório para o futuro das nossas vidas, fica a triste realidade de há cem anos haver tantas dificuldades para simples travessia do Rio Coura.
Fica também para a história o exemplo de um homem, um senador da república, que levou para Lisboa o problema e lutou pelos recursos necessários para a empreitada.
Para concluir, digam lá que a história não tem coisas interessantes!!!