Ambiente, história, património, opinião, contos, pesca e humor

23
Out 16

Encontrei, por mero acaso, um apontamento sobre o médico Policarpo António Esteves Galeão, que me parece importante reproduzir, porque era um cidadão do Vale do Âncora e hoje totalmente esquecido, ou pior, desconhecido.

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 O Dr. Policarpo Galião nasceu a 13 de Março de 1836 em Freixieiro de Soutelo, filho de Francisco António Esteves Galião e de Alexandrina Barbosa. Frequentou a Escola Médico-Cirurgica do Porto entre 1858 e 1862, obtendo diversos prémios ao longo desta fase de estudos. Terminou o curso de medicina em 25 de Julho de 1862 com a defesa da dissertação “Da auto-plastia periostia nas pseudo-arthroses” um manuscrito de quatro capítulos, com 18 páginas.

Foi residir para Viana do Castelo tendo contraído matrimónio em 1864 com uma senhora abastada desta cidade. Exerceu medicina na cidade e no Vale do Âncora, primeiro como cirurgião ajudante e por fim como cirurgião-môr de diversos regimentos militares entre os quais Infantaria 3, tendo-se reformado com o posto de major, a 10 de Dezembro de 1892.

O Dr. Galião, como era popularmente conhecido, era uma pessoa modesta, moderado na palavra e nas relações, dedicando parte do seu tempo ao estudo e orientando a sua actividade no aperfeiçoamento das condições do exercício da medicina. Como naquela época não se cultivavam especialidades nas escolas de medicina, não será estranho encontrar referencias a áreas como a oftalmologia, a cirurgia abdominal ou o tratamento experimental a leprosos no quotidiano do Dr. Galião.

Quando em 1900 se fundou em Lisboa a “Liga Nacional contra a Tuberculose”, organizaram-se núcleos distritais, sendo o do Viana um dos primeiros. O Dr. Galião não se alheou da iniciativa e fez parte da direcção com o cargo de tesoureiro, dando apoio ao trabalho de propaganda então iniciado.

Com o seu feitio simples e despretensioso, abeirava-se dos doentes e procurava acudir-lhes com o seu saber, experiencia e dedicação.

Faleceu em Viana do Castelo a 28 de Maio de 1905, com 69 anos, vítima de tifo exantemático, contraído na assistência a infectados no bairro dos pescadores, irradiação da doença que então grassava no Porto e na Póvoa de Varzim.

Assim viveu entre a estima dos camaradas como militar, entre o respeito dos colegas como médico e da veneração dos pacientes, principalmente das classes mais desprotegidas.

Fontes: Arquivo do Alto Minho, Dicionário Histórico

publicado por Brito Ribeiro às 11:47
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18
Out 16

Por ocasião do IX Congresso Internacional de Antropologia e Arqueologia realizado em Lisboa no ano de 1880, Francisco Martins Sarmento, então com 48 anos, chamou as atenções da Europa culta para o nosso país, devido às eloquentes comunicações ao Congresso, a propósito dos trabalhos de investigação por ele realizados, com destaque para as escavações na Citânia de Briteiros e em Sabroso, iniciadas cinco anos antes. Os estudos em seguida publicados por estes homens de ciência, quer em Memórias e Relatórios, quer na imprensa, apresentaram Martins Sarmento aos meios culturais como tendo realizado um importante avanço, nos domínios da arqueologia peninsular.

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Conhecedor de várias línguas, completou no recolhimento do seu gabinete uma sólida preparação científica e um conhecimento profundo em áreas como a arqueologia, epigrafia, etnologia, etnografia, antropologia, linguística, mitologia e na interpretação das fontes clássicas greco-romanas da História da Península Ibérica.

Com este conhecimento, pode entrar na prática dos trabalhos de exploração no campo, que o inculcaram logo como um consumado arqueólogo. Não se assistiu à sua formação mental científica, que foi discreta e gradualmente preparada ao longo de anos, à mesa de estudo.

Concebeu a arqueologia no seu verdadeiro alcance, instrumento de confirmação e contra prova, pela análise directa dos monumentos, do conjunto de estudos e deduções teóricas sobre as origens e o desenvolvimento da civilização de um povo. Foi, portanto, igualmente notável nas duas modalidades do seu trabalho, quer na concentração do gabinete de estudo, quer empunhando a picareta do explorador.

As suas indagações e pesquizas não se limitaram a Briteiros e Sabroso, tendo reconhecido mais de sessenta castros, em grande parte inéditos.

Particularmente no distrito de Viana do Castelo localizou mamôas e dolméns procedendo a várias escavações tais como a Cividade de Âncora-Afife (iniciada a 17-10-1879), o Dólmen de Gontinhães (iniciada a 6-10-1879) e de Vile (iniciada a 13-10-1879).

Costumava o arqueólogo passar à beira mar dois meses por ano, geralmente em Setembro e Outubro, sendo as suas praias escolhidas, Âncora e Póvoa do Varzim. Na sua correspondência e cadernos de estudo encontram-se provas de ter estado a veranear em Âncora nos anos de 1879, 1881, 1882, 1888 e 1894.

Francisco Martins Sarmento era natural de Guimarães, tendo nascido a 9 de Março de 1833 e falecido a 9 de Agosto de 1899.

 

Resumo de um artigo escrito em Novembro de 1933 por Mário Cardoso, para o nº 1 do Arquivo de Viana do Castelo de 1934.

publicado por Brito Ribeiro às 15:22
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13
Out 16

Ainda a propósito do post anterior dedicado à apanha do sargaço, devo esclarecer que na vizinha Freguesia de Afife havia o costume das raparigas irem “ao mar” com um traje um pouco diferente das outras fainas habituais.

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Assim, era costume usarem chapéu de palha vulgar na cabeça e sobre este a trouxa de roupa, para vestir depois do trabalho na apanha do sargaço.

Camisa de linho grosseiro (estopa). O colete é igual ao do traje de ir à erva, ou seja, um colete mais simples do que o de luxo, mas com desenhos a vidrilho e lentejoulas.

Ao peito, lenço vermelho, simples com penachos ou franjas, a que chamam “lenço garôto”, idêntico ao que é usado na cabeça do traje de ir à erva.

Nos pés usam sapato de pano resistente e a saia é de estopa grosseira, com barra estreita, aos quadrados miúdos, azuis e brancos.

Ao ombro carregam o “redenho”, instrumento próprio para a apanha do sargaço.

 

Fonte: Monografia de Afife (1945)

publicado por Brito Ribeiro às 11:03
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09
Out 16

Além dos naufrágios, aponta-se a emigração para o Brasil e colónias Africanas como uma das causas para a despovoação de homens aptos e a substituição pelas mulheres, em tarefas como a apanha do sargaço, que a partir do século XVIII teve forte procura por parte dos agricultores locais e também dos lavradores abastados, provenientes de terras do interior do país, que pagavam em dinheiro vivo.

Este súbito incremento na procura das algas, está relacionado com a introdução do milho e da batata na dieta alimentar portuguesa, sendo responsável pela melhoria da alimentação, logo pelo aumento da esperança e qualidade de vida.

Desde finais do século XVIII até aos anos sessenta do século passado, o crescimento da produção de batata e milho no litoral norte, conduziu à expansão dos campos agrícolas e ao aproveitamento de novos terrenos com menor aptidão produtiva, como solos arenosos, que só a custa de fertilização abundante com algas ou patelo, podiam tornar mais produtivos.

Esta expansão foi tão relevante que a pesca do patelo e a apanha do sargaço se transformaram em prósperos motores económicos do litoral norte, gerando proveitos a pescadores e lavradores que possuíam os meios necessários ao negócio (uns o barco, outros o dinheiro), dando trabalho a grande quantidade de pessoas, camponeses sem terras, carreteiros, carregadores e cabaneiros.

Os grupos de sargaceiros, outrora constituídos exclusivamente por homens passam a mistos, embora com a oposição de alguns sectores da sociedade, como a Igreja.

Ao sargaço retirado da praia aplicava-se o imposto universal do dízimo, 10% do produto recolhido revertia para a igreja, com excepção do sargaço que fosse para adubar as terras da própria freguesia; se este fosse vendido já era aplicado o dízimo. Existiu uma longa disputa entre os moradores e a Igreja, que se prolonga entre os séculos XVI e XIX, sobre os dias em que se podia apanhar o sargaço.

Na coerência da doutrina da Igreja a apanha das algas, como qualquer outro trabalho, não devia realizar-se aos domingos e dias santos feriados. Porém, devido ao elevado valor do sargaço e porque as algas por vezes davam à costa aos domingos, a pressão para que a apanha de algas nesses dias foi tal, que começa por ser tolerada pelo bispo de Braga em 1725, embora com regras, cuja não observância conduzia ao pagamento de multas, conhecidas popularmente por "As penitencias do argaço". Existiam disposições especiais para a apanha de algas por mulheres tais como, não podiam apanhar algas à noite na presença de homens e mulheres solteiras só podiam apanhar algas à noite na companhia do pai.

Os Franciscanos que habitavam no Convento da Ilha da Ínsua, na foz do Rio Minho, opunham-se a que mulheres (mesmo vestidas de homem) procedessem à apanha de algas na ilha da Ínsua e nem os homens podiam pernoitar na ilha, sendo obrigados a rumar a terra ao fim da tarde.

Raul Brandão, na obra “Os Pescadores”, diz a determinado ponto,

 "Em Âncora, homens e mulheres apanham, secam, dobram em mantas, carregam nos carros, a dorso de jericos, ou simplesmente à cabeça, o sargaço e as algas, que, com o patelo, são o alimento e a fartura destas terras. As mulheres de gadanho e ancinho, de saia ensacada e perna à mostra, apanham as algas na flor das ondas ou no fundo das poças quando a maré vaza; rapam-na de pedras esverdeadas; estendem-nas no areal a secar ou despejam-na nos carros enquanto os bois pastam as ervas e amargas que crescem à beira-mar, salpicadas de espuma.

Embora no Portinho d’Âncora se fizesse apenas a apanha apeada do sargaço com as ferramentas próprias, havia nas proximidades outros portos que utilizavam a masseira para esta finalidade. Existiam 1 masseira na Ínsua, 10 em Moledo, 2 no Caneiro do Forte do Cão, 8 em Afife, 12 em Paçô (Montedor Norte), 2 em Fornelos (Montedor Sul) e 6 na Fonte do Mar (Montedor Sul).

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1930 - Portinho d'Âncora - Lavradores carregam o sargaço

A apanha do sargaço era também motivo para grandes discussões e desavenças, designadamente quando se relacionava com a questão do interdito religioso. Os cidadãos que respeitavam a proibição e se abstinham de ir à praia nos dias santificados, pelo menos antes da missa, protestavam contra os que não cumpriam estas regras, e daí surgirem frequentemente as discórdias e as pancadarias, que naturalmente se agravavam se alguns dos contendores procediam de freguesias vizinhas.

Há comunidades em que a apanha do sargaço estava associada a uma indumentária própria, o que não é o caso das gentes de Âncora, que iam para o mar com as suas roupas habituais, levando consigo uma muda de roupa seca, para usar quando saíssem da água. Isto porque a apanha do sargaço na zona da Lagarteira era efectuada após o mar ter arrojado as algas ou então entre as pedras da “ribeira”, não havendo necessidade de entrar mar adentro para arrastar o sargaço para terra. Presume-se também que a competição nesta actividade agro marítima não fosse aqui tão intensa como noutras comunidades, onde os sargaceiros eram forçados a avançar mar a dentro para serem os primeiros a alcançar o sargaço. 

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Sargaceiros da zona da Apúlia

Em comunidades como a Apúlia, Esposende ou A Ver-o-Mar utilizava-se uma vestimenta própria, a branqueta, que designa o casaco de abas largas, tipo saio romano, até meio da coxa, cingido ao corpo até à cintura e alargando para baixo, em forma de saiote, de modo a deixar livres os movimentos das pernas. É abotoado de alto a baixo por pequenos botões e remata, no pescoço, com gola baixa. As mangas são compridas e justas ao braço. À cintura o sargaceiro usa largo cinto preto, de cabedal.

Na cabeça o sargaceiro usa o sueste, espécie de capacete romano, com copa de quatro gomos reforçados e duas palas: uma, curta, na frente, e outra, mais larga e comprida, atrás. Deste modo é-lhe possível enfrentar as ondas alterosas, sem que a água lhe molhe a cabeça e o pescoço, e lhe penetre nas costas. Feito do mesmo tecido da branqueta, passa por diversas fases de impermeabilização e é, por fim, pintado com tinta branca.

Nestas comunidades a mulher sargaceira assume um papel secundário durante a mareada, já que o trabalho árduo e perigoso de enfrentar as ondas é da exclusiva responsabilidade do homem. Por isso a sua indumentária é mais delicada e, normalmente, apenas entra no mar com água até ao joelho, para ajudar o homem a arrastar para terra o galhapão cheio de sargaço arrebatado ao mar. Assim, ela veste saia rodada, do mesmo tecido da branqueta, bem cingida à anca por larga faixa preta, sarjada, e blusa branca, de linho. Um colete adamascado preto, sem mangas, e bordado a linha de seda em cores garridas, envolve-lhe o tronco e protege-lhe o peito. Na cabeça usa lenço de merino.

 

Foi já no século XX que se instituiu que para proceder à apanha do sargaço era necessário estarem munidos das respectivas licenças emitidas pela Capitania e do direito de seca na parte alta da praia ou dunas.

Nos portos em que era usada a masseira para a apanha do sargaço, as embarcações andavam entre os rochedos junto à costa para os tripulantes arrancarem o sargaço ainda preso. Depois de cheia, a masseira varava na areia, a carga era descarregada para as “padiolas” e estendida a secar nas dunas ou carregada directamente para o carro de bois.

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 1956 - No "caneiro" do Forte do Cão - Âncora

Esta actividade agro marítima começou a definhar nos anos sessenta do século passado, passando os campos a serem adubados com preparados químicos, mais fáceis de adquirir e mais práticos de distribuir. Hoje em dia, é uma actividade residual, em que o transporte é efectuado com o auxílio de tratores agrícolas.

 

Bibliografia: A Masseira Ancorense

 

 

publicado por Brito Ribeiro às 18:10
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