Ambiente, história, património, opinião, contos, pesca e humor

24
Abr 14

Os pobres que sempre foram pobres, os novos pobres, os desempregados que emigraram e os que ficaram, os reformados, os que ainda trabalham, mas conscientes que podem ser despedidos, legal ou ilegalmente, vão comemorar o quê?

Os que clamam justiça que tarde ou nunca chega, que vêem encerrar tribunais e sair em liberdade os ladrões do BPN, que vêem prescrever os processos dos banqueiros e da generalidade dos casos de corrupção envolvendo políticos, vão comemorar o quê?

Os que sentem na carteira o aumento das taxas moderadoras, o encerramento e deslocalização de serviços dos Centros de Saúde e hospitais de província para as grandes cidades, que vêem negado o indispensável transporte para consultas e tratamentos, que esperam meses por uma simples consulta ou anos por intervenções cirúrgicas que se fazem da noite para o dia no sector privado, vão comemorar o quê?

Os que têm filhos a frequentar escolas onde reina a balburdia e a indisciplina, onde sobra a desmotivação e o desencanto, tudo em nome de uma visão economicista e de mera estatística escolar, vão comemorar o quê?

Os que vêem as forças policiais desacreditadas por escândalos internos e por tribunais que em vez de castigar o delinquente, não raras vezes julga e pune o agente da autoridade, vão comemorar o quê?

Os que vêem ser rasgado o contrato de honra estabelecido com o Estado, enquanto gestor dos descontos de uma vida de trabalho, agravando as taxas e impostos aplicados às reformas, vão comemorar o quê?

Os que vêem as remunerações leoninas das Parcerias Público Privadas e das Rendas Energéticas continuarem a sugar os nossos impostos, vão comemorar o quê?

Os que se chocam com os privilégios de reformas antecipadas, subsídios de reintegração e outras mordomias, designadamente de políticos, enquanto a idade de reforma aumenta para os demais portugueses, vão comemorar o quê?

 

40 anos depois do 25 de Abril de 1974 que vamos nós comemorar? Será motivo de comemoração o aperto socioeconómico em que nos enfiaram?

 

Quando temos um Presidente da República que se comporta como uma múmia; uma tonta na Presidência da Assembleia da República; um primeiro-ministro, que começou a trabalhar aos quarenta anos e que tinha por principal muleta no governo um licenciado a martelo; um vice-primeiro-ministro suspeito até à medula de corrupção no caso dos submarinos; uma tia do Movimento Nacional Feminino como presidente da caridade e das sopas dos pobres; um alambique a Presidente do Governo da Madeira; uma administração invisível do BPN, a maior fraude europeia do sector financeiro; dois cervejeiros, um como ministro da economia, outro como presidente da RTP; um gerente de revista de cabaret manhoso na cultura; dois comentadores televisivos, um que justifica as trapalhadas, o outro que justifica as mentiras do Governo; quando se permite que funcionários da Troika comandem os destinos do Estado e dos cidadãos; quando se governa à vista e em função dos mercados e dos especuladores financeiros; quando se governa para a destruição do Estado Social e não para o crescimento, desenvolvimento e qualificação de vida dos portugueses.

 

Mas que raio é que nós vamos comemorar?

 

PS – Sem dúvida, deve-se comemorar a liberdade; de contrário, artigos como este seriam cortados pelo lápis azul da censura e o seu autor seria (com grande probabilidade), atirado para os calabouços de um certo edifício da Rua do Heroísmo, no Porto.

publicado por Brito Ribeiro às 22:13
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22
Abr 14

Da autoria do historiador Paulo Torres Bento, publicado pelo caminha@2000, este artigo revela a iniciativa e o empenho de alguns ancorenses em prol da sua terra.

 

Principal atração das Festas de Nossa Senhora da Bonança que, anualmente, desde 1883, se realizam em Vila Praia de Âncora nos primeiros dias de setembro, nem todos sabem que a procissão naval da Senhora da Ínsua foi somente introduzida no programa da romaria em 1960. Serão contudo ainda menos aqueles que têm conhecimento que, muitas décadas antes, no ano de 1909, nos derradeiros tempos da Monarquia, um grande evento náutico, profano e desportivo, integrou a festa maior ancorense. Uma regata de barcos à vela e a remos, da qual deu então extensa notícia o jornal vianense Vida Nova:

 

"A regata em Âncora — Promete ser uma festa muito distinta a regata que amanhã [12 de setembro] se realiza em Âncora, promovida pelo núcleo da Junta Local da Liga Naval Portuguesa daquela localidade marítima. A interessante diversão inicia-se à 1 hora da tarde, com o seguinte e definitivo programa:

1ª corrida — À vela — baleeiras do "Bérrio" — 1º prémio, objecto de arte; 2º, medalha de vermeille da Liga Naval.

2ª corrida — À vela — Barcas de 24 palmos de quilha — 1º prémio, 10$000 réis e medalha de cobre da Liga Naval; 2º prémio, 5$000 réis.

3ª corrida — Barcos pequenos de 19 palmos de quilha — 1º prémio, 10$000 réis e medalha de cobre da Liga Naval; 2º prémio, 5$000 réis.

4ª corrida — Barcos pequenos de 19 palmos, a remos — 1º prémio, 10$000 réis e medalha de cobre da Liga Naval; 2º prémio, 5$000 réis. (...)

 

O espaço a percorrer pelas embarcações à vela e a remos tem a forma de um triângulo, estando ao centro

fundeado o rebocador "Bérrio". Na primeira corrida tomam parte as baleeiras deste vapor, que são timonadas pelos seus ilustres oficiais. O júri é presidido pelo sr. A. Pereira de Matos, brioso oficial e comandante da "Bérrio", fazendo parte do mesmo o sr. conde de Villas Boas e outros cavalheiros cujos nomes acima damos.

Nas balizas permanecerão, como medida preventiva em caso de desastre e ainda para fazer a respectiva fiscalização, os barcos salva-vidas desta cidade [Viana] e de Caminha, e a lancha a vapor "Infante D.Manuel", em serviço no rio Minho. Nas baterias do forte daquela praia haverá um recinto reservado para as pessoas que, comodamente, quiseram assistir à distinta diversão. Custa a entrada 120 réis.

 

Para o brilhantismo da regata muito tem trabalhado o nosso amigo e distintíssimo clínico sr. dr. Luís I. Ramos Pereira, muito digno vice-presidente da Junta Local [da Liga Naval Portuguesa] daquela vizinha e linda praia do norte. Terminada a regata, formar-se-á uma flotilha com todos os barcos que nela entrarem, a qual acompanhará o júri ao portinho de Âncora, onde se fará o desembarque. A distribuição dos prémios faz-se após a instalação solene da Junta Local da Liga Naval, como consta do programa acima publicado. Sabemos que desta cidade [Viana] vão amanhã ali muitas das mais distintas famílias, afim de presenciarem o alegre festival marítimo." (Vida Nova, 11-09-1909).

 

 

São diversos os pormenores relevantes deste texto mais que centenário, a começar pela promotora do evento náutico — a Liga Naval Portuguesa —, organização que havia sido fundada em 1901 para defender o ressurgimento marítimo nacional e pugnar pelo reforço da Marinha de Guerra, muito graças ao empenho do Segundo-tenente António Alves Pereira de Matos (1874-1930), o mesmo oficial que agora assumia o comando do Bérrio. Não surpreende pois ser este o navio que prestava apoio na Praia de Âncora à regata, nela participando com as suas baleeiras e guarnição de 68 homens — o Bérrio era um rebocador, com o deslocamento de 498 toneladas e o comprimento de 40,50 m, que atingia a velocidade de 10 nós, garantidos por uma máquina a vapor de 1070 HP.

 

 

A componente ancorense da organização, por sua vez, era assumida pela Junta Local da Liga Naval na Praia de Âncora — umas das 62 criadas em todo o país —, cuja instalação se celebrava com esta regata, onde se destacava o nome do médico e político Luís Inocêncio Ramos Pereira (1870-1938), à época clínico camarário e presidente da Comissão Municipal Republicana de Caminha. Podemos ainda considerar local a participação da lancha-canhoneira Infante D. Manuel, que fazia a fiscalização no rio Minho, bem como dos bombeiros de Viana de Castelo e dos barcos salva-vidas de Viana e Caminha.

 

Também com interesse é a notícia saída na edição seguinte do Vida Nova, com o relato e os resultados da regata a revelarem a participação do próprio Luís Ramos Pereira — os desportos náuticos eram a sua paixão e chegou a ter um barco à vela na Praia de Âncora, a "Gaivota" — que mereceria até um prémio:

 

"No sábado, a regata que se efectuou sob os auspícios da Junta Local da Liga Naval da Praia de Âncora, esteve bastante animada, não se dando o menor desastre.

Pelas 11 horas e meia levantou ferro o "Bérrio", que fora da nossa barra [Viana] fundeou afim de receber o piquete de Bombeiros Voluntários (...). Às 2 horas da tarde iniciou-se a regata. Nas margens e nas baterias do forte, onde se viam muitas senhoras da colónia balnear, foi grande o número de pessoas que assistiu ao decorrer da esplêndida festa desportiva, que deu o seguinte resultado:

1ª corrida, à vela, baleeiras do "Bérrio" — 1º prémio, objecto de arte, ao sr. António Alemão Cysneros, imediato deste barco de guerra; 2º prémio, Medalha de vermeille, ao sr.dr. Luís Ramos Pereira.

2ª corrida, à vela, profissionais — 1º prémio de 10$000 réis à lancha "Santa Margarida"; 2º, de 5$000 réis à lancha "Laurinda".

3ª corrida, barcos pequenos — 1º prémio de 10$000 réis a Manuel Vasconcelos; 2º, de 5$000 réis, a Ezequiel Presa; 3º, de 2$500 réis, a Alfredo de Vasconcelos.

4ª corrida, barcos a remos — 1º prémio de 10$000 réis à lancha nº 1614 de Manuel Vasconcelos; 2º, à barca nº 81 de Ezequiel Presa." (Vida Nova, 14-09-1909).

 

Enfim, apetece imaginar que um menino, então com apenas 8 anos de idade, exultou naquela tarde com a

perícia náutica exibida pelo pai, aí se começando a definir a sua inclinação para a carreira profissional que o honraria no futuro. No ano em que se celebram os 40 anos do falecimento do Almirante Jorge Ramos Pereira (1901-1974) — e do 25 de abril, pelo qual tanto lutou e, ingloriamente, perdeu por dias — que melhor homenagem se podia prestar aos Ramos Pereira, pai e filho, do que (re)introduzir no programa das Festas de Nossa Senhora da Bonança uma grande regata desportiva que contasse com a participação da Marinha e de clubes náuticos da região, voltando a preencher de velas içadas ao vento o largo horizonte da baía da Praia de Âncora?

 

REFERÊNCIAS

Alexandre H. S. Rodrigues. Traços biográficos (em prosa bárbara) do Dr. Luís Inocêncio Ramos Pereira e de seu pai José Bento Ramos Pereira (testemunhos e documentos). Composto e impresso na Gráfica da Casa dos Rapazes, Viana do Castelo, 1970.

Glória Maria Marreiros. Almirante Jorge Ramos Pereira — Uma vida, um exemplo. Livros Horizonte, 2001.

Joaquim Bertão Saltão. Memorial — Liga Naval Portuguesa. Revista do Clube de Oficiais da Marinha Mercante. Nº84, janeiro/fevereiro de 2008, pp.5-9.

António Silva Ribeiro. Mahan e as marinhas como instrumento político. Revista Militar. Nº2500, maio de 2010, pp.465-483.

 

Agradecemos ao Rafael Capela as informações sobre a Festa da Senhora Bonança e a disponibilização da imagem do programa das festas de 1960.

publicado por Brito Ribeiro às 21:52
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05
Abr 14

A propósito de Isabel Jonet, já teci uns breves comentários à sua afirmação que os desempregados passam demasiado tempo nas redes sociais em vez de procurarem emprego. Sobre essa mesma matéria encontrei um artigo da historiadora Raquel Varela que não resisto a reproduzir.

Diz ela que a afirmação de Isabel Jonet carece de bom senso, mas sobretudo é falsa. E continua...

 

"Se os desempregados fossem todos à procura de emprego haveria na mesma 1 milhão e 400 mil pessoas desempregados. Os mesmos que há com os desempregados “a passar o tempo nas redes sociais”.

Há 1 milhão e 400 mil desempregados porque há 1 milhão e 400 mil postos de trabalho que não estão a ser utlizados de propósito. O Governo decidiu uma política recessiva que permita recuperar as taxas médias de lucro na produção e que o Governo definiu no próprio Orçamento de Estado: fazer cair o PIB, encerrar fábricas e empresas e criar ainda mais desemprego (cito o Relatório do Orçamento de Estado 2013). 

Isto faz-se desempregando pessoas, aumentando a jornada de trabalho para que um faça o trabalho de dois, intensificando tarefas (dando cada vez mais trabalho à mesma pessoa), aumentando impostos para fazer falir pequenas empresas (restaurantes, cabeleireiros, cafés, lojas), regulando a existência de estágios para exercer profissões (não obrigando à sua remuneração, por exemplo). A consequência disto é a médio prazo quebras na produtividade, os que trabalham estão exaustos e o número de esgotamentos duplicou e aumentou o número de acidentes de trabalho.

 

É preciso ainda recordar, e surpreende-me que a presidente de uma associação humanitária o desconheça, que a maioria dos desempregados não tem condições para procurar emprego.

Para procurar emprego é preciso dinheiro (para imprimir currículos, deslocar-se para ir a entrevistas, ter acesso à Internet e a jornais, telefonar); porque as hipóteses de ter emprego aumentam se as pessoas têm saúde, dentes arranjados, estão bem vestidas, etc; porque para procurar emprego é preciso ter iniciativa e muita gente está paralisada pela depressão do desemprego; porque para procurar emprego é preciso ter de enfrentar propostas salariais que não justificam sair de casa como hoje é comum: um call center onde se ganha, trabalhando 6 dias por semana, 9 horas por dia, 480 euros. Basta juntar a alimentação e viver num subúrbio com um passe social de 70 ou 80 euros para já não compensar trabalhar.

 

 

A economia clássica dizia que o crescimento económico levava a um crescimento dos salários e esse crescimento dos salários levaria a um crescimento da população e o crescimento da população iria controlar o crescimento do próprio salário (muita gente para trabalhar). É uma visão ricardiana, que os clássicos foram buscar a Malthus. Karl Marx veio dizer que esta é uma pequena parte da história – a menos importante.

Porque há um outro factor, mais determinante para manter os salários baixos, aquilo que ele designou como exército industrial de reserva – uma gigantesca massa de desempregados. O desemprego é, no modo de produção capitalista, a forma mais rápida de baixar os salários, porque quem está empregado sente-se ameaçado de perder o emprego e aceita a redução das condições laborais.

 

Não é no entanto necessário qualquer desempregado. Por exemplo, para fazer descer os salários dos advogados é preciso advogados desempregados; para baixar o valor dos salários dos professores é preciso professores desempregados, e por aí fora. Por isso hoje a função da escola é, cada vez mais e de forma mais rápida, formar pessoas que desconhecem a totalidade, não têm raciocínio abstracto, mas dominam tarefas e competências (podem rapidamente estar aptas a entrar no mercado de trabalho – é isto que mede o PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos) e por isso Portugal está melhor no PISA, para que fiquem rapidamente desempregados e assim pressionem para baixo os salários. O Processo de Bolonha, o ensino dito profissional ou as novas oportunidades são a expressão desta necessidade de formar o mais rápido possível desempregados – hoje este é o objectivo principal das políticas de educação, do básico ao superior.

 

E, afirmo-o sem qualquer dúvida, fazer desempregados é o objectivo principal da política governamental, se olharmos a economia na sua totalidade.

Sem um rumo de ruptura com estas políticas, vai haver cada vez mais desemprego porque o desemprego é a chave da “saída” da maior crise histórica do modo de produção capitalista desde 1929.

 

É preciso lembrar ainda que:

1) Portugal tem no desemprego 1 milhão e 400 mil pessoas aptas para trabalhar

2) um país que precisa que se produza bens e serviços

3) não utiliza toda a capacidade instalada (investimentos, máquinas etc.)

4) os bancos estão inundados de dinheiro e não fazem investimentos, nem os chamados “grandes empresários” porque a remuneração do investimento via títulos da dívida pública é maior e mais segura, e porque as grandes empresas funcionam em regime de monopólio, não estão sujeitas à competição que podia levar a mais investimentos – no caminho morrem as PME porque a maioria depende das encomendas destes monopólios.

 

E tudo isto existe porque existe uma lei da gravidade do modo de produção capitalista – a queda tendencial da taxa de lucro que se deu efectivamente e que levou a uma brutal e inédita desvalorização da propriedade, cuja expressão foi a falência bancária em 2008.

 

O euro está à beira do seu fim, hoje estas empresas grandes vivem o pânico da deflação e tudo é legítimo para evitar o inevitável, mesmo que no caminho deixem 1 milhão e 400 mil pessoas na desumana situação de não terem como viver. O direito ao trabalho é o direito à vida e, como bem social que é, o trabalho deve ser divido por todos e todos trabalharem. Não existe nenhuma solução realista para o nosso país que não seja a redução do horário de trabalho sem redução salarial. Todas as outras medidas são inúteis e não trarão qualquer resultado.

Muitos dos desempregado estão hoje nas redes sociais não como uma forma particular de socialização, mas como a única forma que têm de ter contacto com o mundo porque não podem pagar transportes, jantar fora, ir ao cinema ou a um concerto ou sequer ao café. Em Portugal há 47% de pobres antes das transferências sociais.

 

Tenho porém um acordo com Isabel Jonet. Os desempregados têm de sair das redes sociais e passar a organizar-se socialmente, não para irem trabalhar por 432 euros e pedir comida ao Banco Alimentar metade do mês, mas para pôr fim a este modelo social de destruição. E sobre ele construir um mundo menos injusto, mais igual e – também – mais livre."

 

Raquel Varela, Historiadora

 

publicado por Brito Ribeiro às 12:28

02
Abr 14

Texto de Rita Bouça publicado no jornal digital Caminha2000 (www.caminha2000.com)

 

É muito difícil conhecer com exactidão em que época os portugueses iniciaram a faina da pesca do bacalhau, na medida em que se encontra intimamente ligada à história dos Descobrimentos Portugueses, dos séc. XV e XVI

Porém, é conhecido que já no início do século XVI havia na Terra Nova grupos de pescadores oriundos de Aveiro e Viana, muito embora não fosse provável a existência de uma frota bacalhoeira organizada nesse tempo.

Mais tarde, já no reinado de D. Manuel I, foi o porto de Aveiro que mais pescadores enviou à Terra Nova.

Numa carta escrita em 1578 por um mercador de Bristol, Anthony Parkhurst, referindo-se à Terra Nova, é dito que: "Havia ali, em geral, mais de 100 velas espanholas pescando bacalhau, 50 velas portuguesas, 150 velas francesas e bretãs e 50 velas inglesas".

Durante o reinado de D. Sebastião a pesca do bacalhau continuou a desenvolver-se de forma activa.

Quando Portugal ficou sob o domínio Filipino aquela actividade sofreu um declínio assustador devido à trágica organização da Armada Invencível da responsabilidade de Filipe II de Espanha. Foram requisitados os navios que tivessem as melhores condições para as diferentes manobras de guerra e a frota portuguesa da pesca do bacalhau foi drasticamente arrasada, de modo que em 1624 não existia nenhum barco nos portos de Aveiro e Viana que pescasse na Terra Nova.

Foi preciso decorrer muitos e muitos anos até que Portugal recuperasse daquele fatídico desastre e só a partir do Séc. XIX o país passou a viver da importação do bacalhau, que se tornou no principal alimento de consumo corrente e com real significado na economia nacional.

No entanto, é no período que vai de 1830 a 1901 que se verifica um gradual crescimento da nossa frota pesqueira, embora devido a pesados emolumentos fiscais essa expansão não deixava produzir os resultados expectáveis.

A partir de 1901 em diante a frota bacalhoeira começa a ver resultados e é com este avanço que fica conhecida como "Época Heróica" e nesta época os pescadores portugueses exerciam a sua faina no Grande Banco que pertencia ao Banco da Terra Nova.

As condições de trabalho eram deveras difíceis, não só pelo rigor climatérico, mas também a rudimentar "pesca à linha" era o único método utilizado. Em que consistia? Cada navio de pesca à linha transportava entre 40 a 60 dóris, empilhados no convés. Os dóris eram botes de cerca de 4 metros com fundo chato. Os dóris eram colocados na água e cada pescador partia sozinho em busca de um local onde lançar as linhas. A pesca era feita com 20 linhas ligadas entre si formando aquilo a que se chamava um " trol ". O " trol " levava mil anzóis com iscos que podiam ser lulas, sardinhas, vísceras de cagarras ou de outras aves marinhas. No fim do dia de trabalho, o navio — mãe tocava um sino ou uma sirene e então os dóris regressavam. Os bacalhaus eram descarregados no convés e aí começavam a ser preparados para salgar nos porões.  *

Passado cerca de trinta e poucos anos, mais precisamente em 1934 o método arcaico de pesca — "pesca à linha" — mantinha-se inalterado. Apesar de tudo, o Estado Novo começa a manifestar interesse pela indústria bacalhoeira. A reconversão da frota de pesca "à linha", em arrasto, poderia ser uma possibilidade. No entanto, os armadores entendiam que se tratava de um investimento dispendioso e difícil de concretizar. Verificou-se que à medida que as embarcações iam ficando sem utilidade a sua natural substituição acontecia.

Porém, até aos anos sessenta os lucros obtidos pelos armadores, à custa de uma exploração de mão-de-obra sem limites, não se destinavam à modernização da frota, mas pelo contrário, à armação de novos navios.

Tratava-se de uma mão-de-obra  miserável, sem condições de trabalho, oriunda principalmente do distrito de Viana do Castelo e Póvoa de Varzim, composta essencialmente por homens que para escaparem à guerra das colónias também passaram a vir de todo o País. O governo da altura decidiu equiparar sete campanhas de pesca à linha (sete anos) ao cumprimento do serviço militar. Serviam durante 5 anos seguidos ou seis intercalados. Era quase escravatura. Apesar de tudo a produção nacional do bacalhau aumentou significativamente até 1967.

 

No entanto, a nossa frota pesqueira nunca poderia competir com as de outros países europeus que possuíam navios tecnicamente mais preparados para a pesca de arrasto. Os armadores portugueses não equiparam as embarcações com as condições exigidas para que as frotas pesqueiras pudessem enfrentar as difíceis condições climatéricas que frequentemente fustigavam as zonas da pesca do bacalhau. Assim, havia períodos de longas paragens que favoreciam a faina dos outros países.

Apesar de tudo, a produtividade foi-se mantendo, provavelmente devido ao "benemérito" Estado Novo que criou um sistema de protecção à pesca nacional criando créditos com baixos juros e até subsídios não reembolsáveis. Será importante dizer que os destinatários desses benefícios eram grupos pertencentes ao corporativismo instalado no conhecido tempo do Estado Novo (Ver "Henrique Tenreiro — Um biografia política" de Álvaro Garrido, edição Círculo de Leitores e Temas e Debates).

As restrições à pesca em águas internacionais, a partir de 1967 e ampliadas a partir dos anos 70 devido à escassez dos recursos biológicos e à crescente competição internacional, são as primeiras causas de ordem externa determinantes para o início da crise na actividade.

No que concerne às causas internas será importante referir que a indústria bacalhoeira nunca acompanhou a de outros países devido à falta de visão na renovação e modernização das suas frotas, mantendo uma estrutura débil e pouco organizada. Por outro lado, os pescadores desta faina cansados de uma vida de autêntica escravatura começaram a repensar o seu "modus vivendi" e encontraram na emigração novas formas mais vantajosas de vida, partindo para a Alemanha, França onde o trabalho seria mais compensatório e a sua dignidade mais respeitada.

A 25 de Abril de 1974 assistia-se já a uma morte anunciada da indústria bacalhoeira tendo atingido o verdadeiro fim a partir de 1986, aquando da entrada de Portugal na União Europeia.

 

 * https://www.youtube.com/watch?v=Rez67FA6ZxQ

 

BIBLIOGRAFIA:

BALDAQUE DA SILVA, António — Estado actual das Pescas em Portugal (1892)

LOPES, Ana Maria e MARQUES, Francisco — Faina Maior - A Pesca do Bacalhau nos Mares da Terra Nova (Quetzal,1996)

MOUTINHO, Mário — História da Pesca do Bacalhau (Estampa, 1985)

Museu Marítimo de Ílhavo, Âncora Editora, 2008

QUIRINO DA FONSECA, Henrique — Os Portugueses no Mar (Dinalivro, 1989)

SAMPAIO, A — As póvoas marítimas, Estudos Históricos e Económicos, Vol. I Porto, 1923.

 

Rita Bouça

 

publicado por Brito Ribeiro às 11:23
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