Ambiente, história, património, opinião, contos, pesca e humor

26
Nov 13

Uma década após o encerramento da Empresa de Lacticínios Âncora, aconteceu no dia 23 de Novembro um jantar de antigos funcionários desta unidade industrial de referência para o Vale do Âncora. Na Quinta do Cruzeiro reencontramos antigos colegas, revisitamos memórias, aplacamos saudades.

Não vieram todos, mas marcaram presença os que puderam e quiseram manter viva a família dos que labutaram na “Fábrica do Leite”. Estiveram aqueles que ultrapassaram as mágoas e o desânimo causado pelo encerramento desta empresa, que causou grandes transtornos à vida de cada um de nós.

Uma palavra de reconhecimento para os organizadores que proporcionaram este convívio, na convicção de que esta iniciativa se irá repetir cada vez com mais aderentes. Ao fim ao cabo somos uma grande família.

publicado por Brito Ribeiro às 16:29

22
Nov 13

Crê-se que este cruzeiro pertencia à Igreja de Bulhente. O século XII é apontado como a época provavel da sua construção.

Foto dos anos cinquenta. O cruzeiro estava no caminho da Retorta. Mais tarde foi transferido para a rampa do Calvário.
publicado por Brito Ribeiro às 16:31

09
Nov 13

Texto e fotos do Prof. Paulo Torres Bento, publicado no jornal digital Caminha2000 sobre a primeira escola pública de Gontinhães

 

Uns pontos mais sobre a Escola do Santo

 

Reza o provérbio que "quem conta um conto acrescenta-lhe um ponto". Não se tratando em rigor de um conto, mas de História — a da educação no concelho de Caminha —, vimos a terreiro acrescentar mais uns pontos a um recente artigo sobre a Escola do Santo, a primeira escola pública da freguesia de Gontinhães (desde 1924, Vila Praia de Âncora), da autoria dos nossos amigos do Nuceartes.

Utilizando como fonte principal uma ata da Junta de Paróquia, aí se relata o evento do dia 6 de novembro de 1879 em que, na presença de diversas personalidades da região — o governador civil Rocha Páris e o deputado do círculo António Xavier Torres e Silva, entre outros —, foi formalizada a oferta do edifício à mesma junta pelo comendador António Manuel Alves do Rego. Tratava-se de um "brasileiro" que regressara rico à terra natal depois dela ter emigrado pobre em 1836, com dezasseis anos de idade, e o seu ato benemérito vinha possibilitar a abertura de uma escola de instrução primária para rapazes, como outrora ele fora, numa freguesia onde continuava a não haver educação pública, com a vantagem adicional do imóvel servir também para sala de reuniões da própria Junta de Paróquia de Gontinhães.

 

A partir deste documento, poder-se-ia pensar que a nova escola, devidamente arranjada e mobilada a expensas de Alves do Rego, estaria pronta a receber de imediato os primeiros alunos. Mas assim não aconteceu. Na verdade, porque as obras não estivessem ainda finalizadas ou por outra qualquer razão que desconhecemos, passaria quase mais um ano para que, em setembro de 1880, a Câmara Municipal de Caminha fizesse a obrigatória representação ao governo para "a criação duma cadeira de ensino primário para o sexo masculino na freguesia de Gontinhães porque, agora, a Câmara possui uma casa e mobília em magníficas condições em virtude da doação que lhe foi feita pelo Exmº. Comendador António Manuel Alves do Rego". Para reforçar o pedido, a edilidade adiantava que a freguesia de Gontinhães comportava 345 fogos e 1550 almas, entre as quais 119 meninos e 124 meninas e "não tem escola nenhuma, particular ou régia para o ensino primário" — no vale do Âncora, só as havia então em Âncora e Riba de Âncora (Ata da CMC, 15-09-1880).

 

A resposta de Lisboa até foi relativamente célere para os padrões portugueses já que terá chegado a Caminha antes ainda do final de 1880, de modo a preparar a grande inauguração para os primeiros dias do ano seguinte. Foi assim que na manhã de 9 de janeiro de 1881 o presidente da Câmara Municipal, comendador Domingos José Pereira, apanhou o comboio em Caminha para, pouco minutos depois, descer na estação da Praia de Âncora. Para nossa sorte e honra dos ancorenses, os sucessos desse dia de festa para Gontinhães, em que a Escola do Santo abriu as suas portas, ficaram registados para a posteridade porque foram alvo da atenção de uma prestigiada figura dessa época — D.António da Costa — que os incluiu no seu livro "Auroras da Instrução pela iniciativa particular", publicado três anos mais tarde, em 1884.

 

 

 António da Costa de Sousa Macedo (1824-1892), de seu nome completo, era nobre por nascimento como filho do conde de Mesquitela, tendo sido um alto funcionário administrativo, deputado e, no seguimento do seu particular interesse pelas questões educativas, o primeiro titular do Ministério da Instrução Pública, criado em 1870, lugar onde desencadeou uma série de importantes reformas. Humanista ilustrado, foi um escritor prolixo, muito apreciado pelos seus contemporâneos, contando-se entre as suas obras O Casamento Civil (1865), Necessidade de um Ministério de Instrução Pública (1868), A Instrução Nacional (1870), História da Instrução Popular desde a Fundação da Monarquia até aos Nossos Dias (1871) e No Minho (4). Este último, um livro de viagens, trouxe-o até à vila de Caminha — cujas belezas lhe mereceram fartos elogios — e também, de passagem, à Praia de Âncora: "povoação de banhos habitada agora por muitas famílias do alto Minho. Ahi choveu, e tornou a estiar". Foi certamente nesta ocasião que D.António da Costa ficou a conhecer a realidade educativa do concelho caminhense que, anos depois, quando redigia um dos seus derradeiros escritos, destacaria através do relato da inauguração da Escola do Santo, que a seguir se transcreve mantendo rigorosamente a ortografia original:

 

 

 "Está Gontinhães toda em festa no dia 9 de janeiro de 1881, arcos, bandeiras, foguetes, musicas; as familias ás janellas desconhecem a sua propria terra. No extremo, acabada de edificar e mobilar quasi sobre uma collina, bafejada de ar puro, cheia de luz, com optimas condições hygienicas, lá se ergue uma ampla escola, coroada de seu campanario, ornada de mappas, quadros, provida de todos os utensilios, com um bom terreno annexo e habitação para o professor, tudo a expensas do caritativo Antonio Manuel Alves do Rego. São nove horas. Á estação vão esperar a camara municipal de Caminha, por entre musica e vivas os graduados e o povo da localidade. Em seguida dirige-se o prestito para a escola. Nas proximidades d'ella, Alves do Rego, após quarenta e sete annos de trabalhar em paiz estrangeiro, e 'almejando, palavras suas, por voltar á patria para fazer algum beneficio a bem do paiz', adianta-se commovido, e, parando todos, offerece ao presidente da vereação uma chave de prata, dizendo-lhe: — 'Sr. Presidente da camara, tenho a honra de lhe entregar esta chave para abrir aquellas portas á instrucção d'este povo, a fim de nunca mais se fecharem'. E dos olhos rolaram-lhe lagrimas.

O presidente abraçou o doador e abriu a porta. Entraram todos. Ouviu-se então um viva unanime. Sobre cento e cincoenta analphabetos, cegos de ignorancia, rompia o primeiro raio do sol que ia alumiar Gontinhães. O templo escolar da sua civilisação festejava entre recitações e applausos a estreia da educação local". (D. António da Costa, "Auroras da Instrução pela iniciativa particular", pp. 168-169 )

 

Voltando ao pioneiro artigo do Nuceartes, por ele ficamos a saber que a Escola do Santo haveria um dia de receber também raparigas e, como escola mista e sede da Junta de Paróquia de Gontinhães, estaria aberta por muitas décadas a seguir e que, mesmo depois de desativada, continuou como casa de ensaios da banda de música de Vila Praia de Âncora em meados do século XX.

Desse modo, antes de entrar numa segunda vida como residência particular — infelizmente muito descaracterizada — terá completado três quartos de século ao serviço da educação e da cultura, respeitando o espírito do generoso ato do comendador Alves do Rego.


BIBLIOGRAFIA

D. António da Costa (1874). No Minho. Lisboa: Imprensa Nacional.

D. António da Costa (1884). Auroras da Instrução pela iniciativa particular. Lisboa: Imprensa Nacional.

Nuceartes — Núcleo de Estudos e Artes do Vale do Âncora (2011). A Escola do Santo. In http://nuceartes.blogs.sapo.pt/8479.html [consultado em 14-10-2013].


publicado por Brito Ribeiro às 11:18
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04
Nov 13

Naqueles tempos a vida era dura, tanto para os pescadores que por cá ficavam, como para os que se aventuravam na pesca do bacalhau. Partiam para a Terra Nova e Gronelândia no final do inverno, regressando a meados do Outono, dependia da sorte e da habilidade do capitão para encherem mais ou menos depressa os porões soturnos do navio.

O Manuel João, tal como outros jovens da sua idade, agarrou a oportunidade de largar a pesca artesanal onde se ganhava uma côdea, para “ir ao bacalhau”; alem disso, quem fizesse sete temporadas de bacalhau, livrava à tropa e à guerra em África.

Para quem sai a primeira vez da sua aldeia natal, tudo é uma aventura e sempre será melhor que receber umas míseras moedas no final de cada maré. Se o mar o permitir, porque de Inverno os frágeis barcos de boca aberta cavalgam rua acima entre o casario, para se furtarem às arremetidas do mar que fustiga o portinho, escavado entre as rochas agrestes do Moureiro e o Forte da Lagarteira..

Acabara de fazer a sua terceira viagem no “Rio Lima”, um barco lento, mas seguro, construído em 1952 pelos Estaleiros Navais de Viana do Castelo. As condições de vida a bordo, apesar de duras, não se comparavam aos velhos lugres à vela, onde o seu pai e os irmãos mais velhos tinham pescado. Aí sim, era uma vida de escravidão e de perigo constante a pescar nos frágeis dóris, a viverem amontoados em cubículos como animais, a trabalhar perto de vinte horas por dia, sob as inclemências climatéricas do Atlântico Norte.

O “Rio Lima” tinha atracado a meio da manhã na doca de Viana do Castelo. Já lá estava o “Senhor dos Mareantes” e o “S. Ruy”, atracados desde a semana anterior. A roupa sebosa estava ensacada há muito, tal como as bugigangas compradas em St. Johns para a mãe e para as irmãs. Para o pai trazia, como de costume, pacotes de tabaco com filtro. O último banho a bordo libertou-o das escamas, disfarçou o odor a vísceras e a suor, mas não apagou as marcas do cansaço, as mãos gretadas e gastas, a barba hirsuta e o cabelo ensalitrado.

Após da manobra de atracar, cumpridas as formalidades, desembarcou pelo instável portaló ao encontro do abraço sentido dos familiares que o aguardavam no cais. Mais que um reencontro, era o renascer de uma coesão familiar, uma celebração da vida que recomeçava. Era dia de festa, a viagem para casa foi de carro de praça, um luxo reservado para bodas, emergências e para estas ocasiões.

Uma acha de pinheiro no fogão espevitou o fogo inundando a cozinha de aroma resinoso, que o refogado estava pronto de véspera e a cabidela surgiria enquanto contava as peripécias da viagem. Só as vitórias, os lances carregados de bacalhau, as partidas que pregaram aos colegas, as horas intermináveis na escala e salga. Os sustos, as lágrimas, as saudades e o medo não se apregoam, iriam sombrear os rostos felizes da família, que o escutam com um fervor quase religioso.

Depois do almoço saiu com rumo certo, o barbeiro que o expurgou das pilosidades acumuladas em sete meses de mar, vestígios sombrios que importa esquecer até à próxima viagem. No Poipa reencontrou companheiros, leu o jornal, soube as últimas do futebol e das coscuvilhices locais, antes da tesoura e da navalha cumprirem a sua missão. Quando olhou ao espelho não se reconheceu, custava-lhe acreditar que aquele rosto lhe pertencia, tão pálido e exangue, as orelhas penduradas na cabeça estreita, onde o nariz ganhava destaque, tal como um promontório avança mar a dentro.

Aviado do barbeiro, seguiu em direcção ao portinho, lugar que o viu nascer e crescer, onde se juntavam os amigos, onde se trocavam olhares e ditos com as raparigas, onde os homens enchiam as tabernas, nas quais ele já tinha entrada por direito próprio. A tarde correu rápida, talvez a conversa retida durante meses a tenha apreçado, a noite cobriu a terra e o mar, despediu-se de cada um para regressar ao lar aquecido pela chama mortiça do fogão, onde o caldo de hortaliça papujava lentamente.

Estavam à sua espera, pois era hábito daquela comunidade cear após as vésperas.

- Por onde andaste meu filho, que se faz tarde.

- Ó mãe, ainda ficou gente na Curraca e no Coxo da Faena.

- Mas o teu pai já está à espera para depois se deitar… Afinal onde é que andaste?

- Fui ao Poipa cortar o cabelo e a barba…

- Graças a Deus…

- … Depois fui para o portinho e estive à conversa com os amigos… o Daniel, o João, o Nel do Côto, o…

- Qual João?

- Da tia Ermelinda… e bebemos umas malgas de vinho novo.

- Vê lá, já não estás habituado e pode fazer-te mal.

- Não se apoquente, minha mãe. Pouco bebi e só demorei mais um bocadinho porque encontrei na esquina da pensão um companheiro de escola e fiquei à conversa. Depois ele seguiu para casa e eu pelo Sol Posto acima… Aqui me tem!

- Quem é esse companheiro de escola? O Camilo?

- Esse ainda não vi. Era o Berto da Nila…

A tigela caiu com fragor no chão, espalhando cacos e caldo em todas as direcções. A cor fugiu das fasces rosadas da Lurdes, petrificada de espanto e horror.

- Que foi, mãe? Parece que viu um lobisomem… Conhece o Berto da Nila… onde está o espanto?

- Tens a certeza, meu filho? – Balbucia a Lurdes, procurando o rosário no bolso do avental.

- Tenho, mãe! Então eu não conheço o Berto?! Olhe que fizemos juntos a quarta classe…

- Mas isso não é possível… a Nossa Senhora nos acuda…

- Então qual é o problema? Ele até estava tão bem disposto…

- Virgem Santíssima – gemeu a Lurdes com as lágrimas nos olhos – a sua alma não está tranquila.

- Que está aí a dizer, minha mãe! A sua alma?!...

- Sim, filho… O teu amigo… o Berto da Nila, esteve muito doente, chegaram a levá-lo para o Hospital de Viana, mas mandaram-no de volta para casa… o Berto… coitadinho, foi enterrado ontem…

publicado por Brito Ribeiro às 18:46
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