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29
Jun 10

Implicações e manifestações culturais do linho

 

Como vimos, o manuseamento do linho desde a sementeira até ao produto acabado é uma manifestação essencialmente feminina.

Se em algumas das primeiras fases a participação do homem é aceite, a partir do momento em que surge a roca e o fuso, o trabalho é exclusivamente feminino. Por exemplo, a ripagem é um trabalho geralmente masculino e era uma das fases em que as mulheres mais brincavam com os homens. Uma dessas brincadeiras consistia em dobrar as raízes do linho em direcção às baganhas que ao serem passadas pelo ripador ficavam presas o que desequilibrava quem procedia a esta operação se não estivesse com atenção.

Convém chamar a atenção para o carácter colectivo do trabalho do linho (Viana, 2009), alterando-se apenas na fase de tecelagem para o trabalho individual. Com efeito, desde a sementeira que o trabalho é feito em grupos, normalmente com cariz familiar ou relações de vizinhança e amizade, sempre com espírito de entreajuda e reciprocidade. Aqui não há lugar ao pagamento de jorna, apenas o dever de “pagar” com lauta merenda e trabalho para quem veio ajudar.

Na arrancada incluía-se um cerimonial que consistia em os moços agarrarem as moças e rebolarem-se abraçados em cima do linho. Diziam eles que era para "talhar a camisa" ou a “camisada” e normalmente levantava um coro de protestos dos mais velhos porque assim o linho partia-se, tornando-se de baixa qualidade e abundância de estopas (Domingues, 2009).

Depois perdeu esse sentido erótico mais nítido e toma a forma, apenas lúdica das cambalhotas; os rapazes empurram as raparigas e vice-versa de modo a atirarem-se uns aos outros ao chão, quando estão curvados no arranque das plantas.

Na Serra d’Arga só os mais velhos ainda se lembram desta tradição, que “parece fora de dúvidas que ele deve ter constituído originariamente uma prática mágica propiciatória da fecundidade” (Oliveira, 1978).

Na ripagem, os grupos cantavam quadras populares e frequentemente algumas quadras mais picantes, misturadas com alguns encontrões que acabavam por atirar alguém mais descuidado para cima dos montes de linho.

 

 

 

O linhar vai acabado,

Na derradeira manada.

Os senhores do ripanço,

Venham dar a camisada

 

Mais para o final aparecia o tocador de concertina, todos procuravam acabar mais depressa o trabalho e começava a dança que se prolongava noite dentro com os estômagos aconchegados. Nunca faltava vinho à descrição, bolachas e pão de trigo com chouriço ou presunto.

 

As voltas que o linho leva

Antes de entrar no tear

São tantas como as voltas do vira

Que esta noite vou dar

 

Quando a arriga era em quantidade importante, o linho ia para o rio ou poça em carro de bois com o jugo enfeitado e encimado por um ramo de oliveira, decorado com flores, precedido pelo grupo festivo de homens e mulheres, acompanhados de tocadores que podia incluir viola, ferrinhos, tambor ou concertina. Era também a ocasião para apanhar alguém desprevenido dentro de água e atirar para perto uma pedra que o iria molhar.

Em Montedor, a arrancada constituía muitas vezes um momento festivo. Feita com a ajuda de gente moça do lugar, o andamento dos trabalhos era conduzido de modo que acabasse a meio da tarde. No campo onde o trabalho tinha lugar, era hasteada uma bandeira feita com os lenços de cabeça das raparigas, para que o facto pudesse ser notado pelos rapazes, que então para ali acorriam, terminando o trabalho num baile que durava até o sino da igreja tocasse as Trindades.

A maçagem do linho era outro momento de sociabilização, quer esta operação fosse desempenhada manualmente, quer fosse levada a cabo no engenho mecânico ou hidráulico.

Frequentemente a maçagem manual decorria no caminho, à porta da casa sobre uma laje propositadamente ali colocada e as vizinhas auxiliavam-se nesta operação. Era também usual em dias de lua a maçagem decorrer à noite, ritmando o trabalho ao sabor de cantigas.

Também a espadelada era feita pelo sistema dos trabalhos colectivos, gratuitos e recíprocos e era desempenhado quase exclusivamente por mulheres que dominavam esta técnica. A espadela, uma espécie de cutelo em madeira leve e macia, preferencialmente de laranjeira, tinha na Serra D’Arga um formato quase triangular e era finamente decorada em talha.

Enquanto nas vertentes viradas ao Vale do Minho, Vale do Coura e Vale do Âncora se usava como espadeladouro um cortiço, na vertente do Vale do Lima usava-se uma peça em madeira com um formato rectangular que trabalhava na vertical. Este espadeladouro era finamente decorado e os motivos tradicionalmente usados são, como figuras centrais, o coração ou corações ligados e presos com chave; a rosácea ou uma flor ligeiramente estilizada, passarinhos, o ramo de flores, a espiga ou a palma. Mais raramente, as armas nacionais e a custódia. O signo saimão aparece muita vez, mas em lugar de menor evidencia, assim como nomes, iniciais ou dedicatórias (Oliveira, 1978).

O espadeladouro é em muitos casos um presente de namorado. As espadeladas, sobretudo aquelas que ultrapassavam o quadro restrito da família e se abriam à ajuda de pessoas de fora, constituíam com frequência ocasiões privilegiadas de encontro entre rapazes e raparigas solteiras, especialmente quando tinham lugar à noite no verão.

 


Por isso o espadeladouro que se ofertava, alem da carga simbólica de expressão amorosa que a ornamentação continha, funcionava como elemento mediador, pois a rapariga ao aceitá-lo, aceitava implicitamente o namoro que muitas vezes o rapaz tinha embaraço em propor-lhe directamente.

O trabalho da espadelagem, em pé ou sentada, era duro e repetitivo. Depois do trabalho na casa ou no campo, as mulheres passavam horas batendo o linho com a espadela, em pancadas fortes, certas num ritmo regular, rápido e sem descanso. Nas espadeladas colectivas essa dureza era amenizada por uma atmosfera lúdica, quase festiva, com cantares, brincadeiras, visitas de mascarados (caretos), cómicos, burlescos e danças.

Se o trabalho decorreu durante o dia, faz-se uma paragem para o almoço que geralmente consistia em bacalhau cozido com batatas, em alguns locais substituído por arroz de frango. Para sobremesa nunca faltava o arroz doce, mais raramente a aletria (Domingues, 2009). À tarde, para merenda, umas postas finas de bacalhau frito, com pão de trigo e azeitonas. Para a ceia servia-se um prato de feijão guisado com chouriço, presunto e outras carnes de porco. Durante o dia a caneca de vinho e a malga estava sempre à mão.

A fiação é uma actividade de carácter universal e no caso do linho, nos locais onde a fiação manual se mantém, o fabrico da linha faz-se pela torção dos fios de modo fundamentalmente idêntico àquele que usavam os Egípcios há vários milénios.

A fiação manual tinha a particularidade de ser efectuada pelas mulheres nas mais diversas circunstâncias do dia-a-dia. A mulher passava a ser acompanhada pela roca e pelo fuso para qualquer parte onde se deslocasse. Tanto podia fiar individualmente à noite em volta da lareira, como de dia à porta de casa, em sessões colectivas com outras mulheres da vizinhança.

Mas também podia fiar no monte enquanto tomava conta do gado que pastava ou de verão no campo, à sombra de uma árvore, nas horas de maior canícula. Qualquer local ou hora do dia eram bons para fiar o linho desde que tivesse as mãos desocupadas.

Na sua fase primitiva a torção das fibras fazia-se entre os dedos, entre as palmas das mãos ou entre a coxa e a palma da mão. A descoberta do fuso e da roca constituiu algo de extraordinário, aumentando o rendimento do trabalho e da qualidade do fio.

As rocas destas terras em volta da Serra D’Arga têm características únicas e distinguem-se por serem constituídas por um cabo em madeira redondo feito à plaina, e um roquil de madeira torneada, com a forma de um cone muito alongado, rematado por uma finíssima e delicada pirâmbula. Na zona de Ponte de Lima usava-se um outro modelo de roca executada em cana e cortiça, igualmente com um feitio cónico muito alongado (Domingues, 2009).

Alem da sua forma original, caracteriza-se pela beleza e em alguns casos pela excelência das madeiras que utiliza; buxo para o roquil, pau-preto para a torre. Por vezes o fuste do roquil, além dos ornatos feitos ao torno, apresenta embutidos de madeira mais escura para contrastar; mais raramente a torre é mesmo feita em osso.

Contudo encontram-se exemplares mais modestos em que o roquil e a torre são apenas uma peça, geralmente pintada de negro a imitar a madeira exótica. A roca era uma das peças que mais variava em termos de materiais utilizados e de acabamento, que reflectia não só a habilidade de quem os fabricava como um certo orgulho de quem os usava.

As rocas têm geralmente, como peças acessórias para prender o manelo, uma correia com espicha. É nesta região que este objecto se apresenta na sua maior beleza; talhadas em osso, em placas delgadas e finamente recortadas e vazadas, apresentam um rendilhado de desenhos florais, corações, estrelas e são geralmente encimadas por coroas reais e aves (Alves, 2002).

Em Carreço e Afife, certas casas, de quando em vez, convidavam pessoas vizinhas e amigas para participar no fiadeiro; a partir de certa hora da noite começavam a aparecer os homens convidados prévia ou tacitamente, que no decorrer do serão animavam a conversa e no final participavam nos jogos de roda ou danças.

Aos rapazes novos que ainda não tinham sido admitidos no grupo dos homens era interdita a entrada; os que violavam essa regra eram duramente castigados e aguilhoados com sovelas. A admissão era geralmente sancionada pelos homens mais influentes e ágeis no manejo do pau e marcava a entrada dos moços púberes no grupo da “mocidade” (Pereira, 2004)

 


Evoco a emoção de Ernesto Veiga de Oliveira após assistir a uma sessão de fiação em S. Lourenço da Montaria: “À noite as moças sentadas em redor da sala no esplendor dos seus fatos coloridos, o colo recoberto de ouros velhos, de rocas à cinta, cantando, à espera da hora, a melodia clara e transparente como a água de uma fresca fonte de granito e musgo. Vinha o acordeon; e os rapazes, fora, aguardavam que acabassem os manelos de lã que as mãos diligentes iam transformando, com o rodar dos fusos, em fio. Às tantas serviam-se castanhas e vinho, em grandes malgas. E recomeçava o cantar, cada vez mais vibrante e avassalador. E à medida que cada uma terminava a sua parte nas tarefas, os pares definiam-se e a dança começava – as gotas, as rosinhas, os viras. Cantava-se e dançava-se o mundo antigo aprendido no terreiro, e que todos traziam sempre vivo dentro de si, como o próprio pulsar do seu sangue. E era assim pela noite fora”.

No meio piscatório também o linho era usado e também aqui tinha associado manifestações sociais, pois era no convívio familiar e de boa vizinhança que se procedia à tarefa de o sedar e fiar, visto que era comprado ao lavrador em estrigas, que não eram mais que molhos de fibras.

Ao serão, durante o inverno, as mulheres juntavam-se à lareira a produzir o fio que os homens haveriam, mais tarde, de transformar em redes (Verde, 2009). Nestas sessões de fiação não havia lugar a festejos com música e dança, mas era um dos momentos privilegiados para a transmissão de conhecimentos através de estórias contadas pelos mais velhos, muitas das vezes, relatos de naufrágios, de viagens ou de pescarias.

 

Há imensas referências ao linho no imaginário popular, há muitos ritos nos quais o linho ou suas ferramentas eram usados e tinham um enorme valor simbólico. “Ligado à noite de S. João havia a prática da “passagem pelo vime” para o tratamento mágico das “quebraturas” (hérnias) das crianças e em algumas localidades, também dos adultos. Em Perre, pouco antes da meia-noite, na véspera de S. João, os que tomam parte na cerimónia vão para o pé do vime pelo qual será passada a criança. Vão três Marias que ainda não sejam mulheres e três Joões, pequenos, inocentes, além das pessoas que desejem assistir, sem faltar… uma tocata. O vime está cortado longitudinalmente apenas em certa extensão de modo a permitir formar-se uma abertura por onde possa ser passada a criança. As Marias fiam cada qual com seu fuso, mas numa só roca. Ao cair da meia-noite, um João passa a criança através do vime (pela abertura que outro João obtêm escachando o golpe longitudinal) para as mãos do terceiro João, que se encontra do lado oposto. Depois este João não passa a criança em sentido contrário, mas dá-a por fora do vime e pela direita ao João que lha passou. Faz-se isto três vezes, trocando-se as seguintes falas entre os Joões e as Marias:

Que fiais Marias?

Linho asseado

Para ilear o vime

Que passou o menino quebrado.

A seguir dizem os Joões:

Seja tudo em honra

Da Virgem Maria

Que tudo quanto fazia

Tudo lhe apetecia.

Depois de passada a criança, liga-se o vime com o linho que as Marias fiaram. E por fim, canta-se, toca-se e acaba a festa por uma comezaina. Se ao fim de um ano o vime soldou, também a criança “soldou”” (Oliveira, 1978, 214).

Frequentemente a ideia dos poderes benéficos do linho manifesta-se em cerimoniais como colocar uma meada de linho junto da cabeceira da cama de um bebé ainda não baptizado ou uma roca sobre a cama quando eles não dormem ou igualmente uma meada (que depois é oferecida a Santa Marta) sob o travesseiro da criança, contra as aftas na boca.

Por vezes este carácter combina-se com o sentido simbólico da roca, como emblema da mulher, o linho e as operações a ele relacionadas, nomeadamente a fiação, “aparecem como elemento fulcral de ritos divinatórios ou propiciatórios, relacionados com o casamento ou a fecundidade” (Oliveira, 1978, 235).

Em diversos lugares, nas fiadas, as raparigas faziam duas bolas de tomentos ou tufos de linho ou de estopa, que eram representativos de um determinado par. Os “noivos de tomentos”, assim se chamava em S. Lourenço da Montaria, pegavam-lhes fogo observando qual dessas bolas ardia mais depressa e como ardia: se ambas subiam no ar ao mesmo tempo, era porque o casamento se realizava; se uma delas se elevava mais depressa que a outra, era porque a parte que representava tinha um sentimento maior que a outra parte.

A partir de uma ideia geral de poderes ocultos que animam os utensílios relacionados com o linho, haviam diversas crenças que nem sempre a significação se vê claramente. Entre estas está o ancestral costume de deixar a roca espiada, ou seja, o manelo de linho deve ser fiado até ao fim, todas as noites, senão são as almas do outro mundo ou os defuntos que vêm acabar de a espiar, “empecendo-a”.

Apenas mais outro exemplo: as barrelas das meadas do linho devem ser feitas com cinza de três lares. Porquê? Não sei, as pessoas que o referem também não sabem e investigadores como Ernesto Veiga de Oliveira também se interroga, deixando-nos sem resposta. De concreto, podemos apontar que é uma tradição popular passada oralmente de geração em geração, talvez com origem nas superstições e na mística da Idade Média.

Embora diferentemente executadas nos diversos lugares, há traços comuns indisfarçáveis, o que corrobora a teoria de uma origem comum, que se foi diferenciando ao longo dos tempos, sem contudo, perder a génese.

 

Conclusões

Durante todo o processo vegetativo, amanho e manipulação do linho até se chegar ao fio pronto a tecer, estava-se sempre perante um conjunto de manifestações colectivas de vida em comunidade. As pessoas ajudavam-se umas às outras e aproveitavam esses momentos para sociabilizar, não só com a conversação, mas também no aspecto lúdico e frequentemente com ritos de iniciação e comprometimento. As cantigas, a música e a dança rematavam geralmente as jornadas de trabalho e quer as mulheres, quer os homens, tinham tarefas e funções muito bem definidas em todo o processo.

 


A partir do momento em que o fio passa para o tear, entra-se numa fase totalmente individualista, na qual cada tecedeira se esmera para apresentar o melhor produto final, assistindo-se, não raras vezes, a disputas singulares de mulheres ou disputa colectivas entre várias casas, para o fabrico do melhor tecido, do melhor bordado, do melhor padrão.

Ao longo do século XX o linho foi perdendo a importância representativa de outrora, assim como a importância efectiva como material de uso corrente para têxtil do lar ou de vestuário, substituído por elementos mais baratos, mais resistentes e mais modernos.

Também as aldeias e os campos se foram esvaziando, para as grandes cidades e pelos caminhos da emigração.

O marco histórico do 25 de Abril veio já encontrar o sector agrícola carregado de incertezas e de fragilidades, que se agravaram até à agonia do início dos anos oitenta, quando se começaram a sentir alguns efeitos positivos das políticas de defesa do património etnográfico e de incentivo às artes tradicionais.

O linho e tantos outros trabalhos artesanais foram ganhando destaque no leque de artesanato de qualidade do Alto Minho. O caso vertente do linho, surge muitas vezes associado a bordados manuais de grande beleza e complexidade.

“Antigamente o linho vestia o pobre, hoje ornamenta a casa do rico”, assim resume a D. Maria Ângela, a única tecedeira em actividade, na Freguesia de Gondar. O linho transformou-se em objecto de adorno, de ostentação, de bom gosto e de poder económico.

Estão neste caso os bordados de Viana do Castelo (Anexo C) que ganharam renome e posição de destaque e que propiciam um valor acrescentado ao artesanato vianense, pese embora o linho ser de origem industrial e misturado com fio de algodão.

Também os lenços dos namorados (anexo D) eram um costume em volta da Serra d’Arga, embora com diferenças significativas em relação aos lenços da zona de Vila Verde, pois aqui não havia lugar a quadras, apenas a uma mensagem amorosa ou dedicatória ao rapaz a quem o lenço era oferecido.

Os trabalhos em linho artesanal continuam a ser produzidos pelas tecedeiras, a procura é grande e as encomendas de peças maiores como toalhas ou colchas, podem demorar longos meses ou anos de espera até serem entregues (Domingues, 2009).

Fico com a impressão, forte impressão, que o artesanato do linho é uma actividade laboriosa, mas rentável. Insegura na obtenção de compensações financeiras de curto prazo, mas com mercado de enorme potencial à espera de ser abastecido, pois actualmente a procura ultrapassa largamente a oferta de qualidade.

Na era da globalização e do consumismo, do abandono da agricultura tradicional e da desertificação das comunidades rurais, a cultura do linho e todas as manifestações sociais em seu redor, são hoje uma recordação, uma memória ainda viva, mas cada vez mais distante. Perdeu-se definitivamente o valor representativo que o linho corporizou durante séculos na sociedade; perdeu-se irremediavelmente a simbologia que adoptou perante a pessoa, o imaginário e a comunidade.

Restam pessoas de idade mais avançada para nos contar “como era”, restam as recriações etnográficas para turista ver e registar.

Para a elaboração deste trabalho, além da bibliografia consultada, contei com a preciosa colaboração de diversas pessoas, sem o registo formal da entrevista, que pacientemente me foram elucidando, com o entusiasmo de quem gosta “destas coisas antigas”, com um manancial imenso de cultura à nossa espera, à nossa disposição.

Saibamos nós aproveitar esse conhecimento.

Fim

 

publicado por Brito Ribeiro às 16:48
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16
Jun 10

A importância socioeconómica do linho na Serra d’Arga

 

A indústria linheira, no que se refere ao cultivo da planta e produção da fibra, como à transformação desta última e à comercialização dos tecidos e linhas à volta da Serra D’Arga, definiu-se desde sempre como uma actividade exclusivamente caseira, individual e dispersa, artesanal e qualitativa, servida por uma técnica manual muito primitiva (Vasconcelos, 1884).

Por isso, as diversas medidas de fomento iniciadas no século XVII pelo Conde da Ericeira (Caldas, 1991), continuadas no século seguinte pelo Marquês de Pombal ou mais recentemente, durante o Estado Novo, não afectaram minimamente esta região do Alto-Minho.

 

 

 

Lavradeiras da Serra d’Arga

 

O trabalho do linho, essencialmente a fiação, tornou-se um atributo exclusivamente feminino. A roca e o tear tornaram-se os instrumentos operacionais e simbólicos desta actividade que transforma o linho em tecido.

Mas as tarefas intermédias eram numerosas, complexas, o que ajuda a explicar o seu declínio, à medida que surgiam outras soluções mais simples e baratas, como o algodão. Foi inevitável a diminuição das áreas de cultura e consequente recurso à importação. No entanto, o linho representava ainda não há muitos anos uma espécie de símbolo de coesão familiar, uma herança transmitida de pais para filhos ou para ser mais exacto, de mães para filhas. Essa herança era constituída por reservas de roupa branca de vestir e roupa de casa, assim como roupas do bragal (enxoval) das moças ou em peças inteiras guardadas em rolos nas grandes arcas como se fosse um tesouro.

Mas o linho está também representado na liturgia, nos paramentos, nos paninhos do Senhor, o pano quadrado que tapa o cálice e o manustério para limpar as mãos.

Em geral tudo se fazia com o linho: lençóis, toalhas de mesa ou de rosto, colchas, camisas, calças ou coletes. Mas o linho mais grosseiro e mesmo a estopa também eram profusamente utilizados no dia-a-dia para finalidades mais rústicas ou de maior desgaste como roupa de trabalho, sacos, colchões, reposteiros ou carpetes (Domingues, 2009).

O linho também era encarado como uma actividade de rendimento complementar, porque haviam casas que “trabalhavam para fora” ou seja, encarregavam-se de determinadas fases por conta de outras casas ou famílias que, por qualquer motivo, não dispunham de meios para cultivar ou tecer os seus próprios panos.

Era “justada” a confecção de uma determinada quantidade de peças no tear ou o cultivo de determinada leira, sendo a compensação feita em maquia ou efectuado pagamento. Eram as casas com mais mulheres que tradicionalmente se encarregavam de trabalhar para fora ou aquelas que menos terras possuíam, havendo assim um superhabit familiar de mão-de-obra disponível.

Numa região deprimida economicamente, onde os terrenos só a muito custo dão magra compensação (Oliveira, 1978), onde a propriedade está atomizada em pequenas e recônditas parcelas, o linho não raras vezes era uma fonte de rendimento complementar de vital importância. Assim, peças inteiras em pano de linho ou peças trabalhadas e decoradas com rendas e bordados, eram entregues para venda nas lojas das vilas ou da cidade. Estão neste caso povoações como Caminha, Vila Praia de Âncora, Ponte de Lima ou Viana, para apenas referir as mais importantes, onde a espaços, também apareciam à venda panos de linho nas feiras.

Uma das utilizações mais curiosas do linho prendia-se com a confecção de redes e velas para pesca (Vasconcelos D. M., 2004). Como vimos o algodão a partir do século XVI vai entrar nos hábitos dos portugueses e substituir gradualmente o linho como fibra de tecelagem. Porém, na pesca artesanal o seu uso persistiu de forma generalizada até ao início do século XX, quando foi definitivamente substituído pelo fio de algodão, que algumas décadas depois foi destronado pelo nylon e outras fibras sintéticas que se usam actualmente. Uma rede em particular (Verde, 2009), a volante de tresmalho com albitanas para pesca do sável, usada no Rio Minho, continuou a ser construída em linho até ao início dos anos trinta do século passado.


(continua)

publicado por Brito Ribeiro às 15:07
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